Muitos animais vivem em comunidade, formando grupos sociais, compostos por elementos da mesma espécie: bandos, alcateias, cardumes, etc. Há também animais que vivem isolados. Mas até estes têm necessidade de se juntar para se reproduzirem, nem que seja apenas no acto do acasalamento. Além disso, mães e crias formam grupos, mais ou menos temporários, conforme as espécies. A fêmea de Urso-pardo passa cerca de três anos com a cria. Por outro lado, algumas espécies de aves são nidífugas, isto é, assim que nascem abandonam o ninho, o que não quer dizer que os pais, ou pelo menos um deles, não acompanhem a prole. No fundo, todos os animais têm a necessidade de, pelo menos em algum momento, partilhar o espaço com outros animais da mesma espécie.
Qualquer grupo obedece a regras internas, normalmente definidoras de hierarquia social, mantendo assim o equilíbrio dos laços existentes. São inúmeros os comportamentos sociais das diversas espécies que os etólogos tentam registar e compreender. O facto de os animais poderem viver isolados ou em comunidade, poderá estar ligado a factores derivados da pressão competitiva: em grupo aumenta a pressão por alimento, por parceiro sexual ou pelo local de reprodução. O risco de contágio por doença aumenta também, além de que vários animais juntos são mais facilmente detectáveis pelos predadores, do que quando se encontram isolados. Mas viver em comunidade também aumenta o número de olhos, narizes e orelhas alerta para o perigo. Entre os predadores, a cooperação conjunta torna mais fácil a caçada, além de poder proporcionar a captura de presas muito maiores do que seria possível obter isoladamente. Existem também casos de cooperação na criação da prole, com as evidentes vantagens de tal facto.
Os jovens adultos, dependendo de vários factores, podem ficar no grupo familiar ou partir para formarem a sua própria família ou para viverem isoladamente. O habitat, a distribuição de alimento, o sistema de acasalamento e os riscos de endogamia, parecem determinar, em grande medida, o nível de dispersão dos jovens animais em relação ao seu local de nascimento. Dependendo da espécie, os factores que mais influenciam a dispersão variam, e dentro de cada espécie, pode também haver diferentes formas de dispersão.
Quando os jovens ficam na sua área natal, partilhando o território com os progenitores, falamos em filopatria natal. Esta estratégia tem vantagens e custos. O grau de parentesco entre os elementos do grupo aumento o risco de endogamia, com a consequente redução de variabilidade genética, o que é uma evidente desvantagem evolutiva. No entanto, a consanguinidade pode favorecer a “selecção” de genes que determinem uma boa adaptação a um determinado habitat.
Entre outros custos da vida em grupo, podemos referir o aumento da densidade populacional, que fará subir a competição por recursos e parceiros sexuais, bem como por abrigos ou locais de reprodução.
Segundo algumas teorias sociobiológicas, porém, a vida em sociedade leva à redução da agressividade entre os membros e ao aumento dos comportamentos altruístas. Outra vantagem da vida social dos animais é a de um melhor conhecimento do local onde o grupo habita.
A dispersão tem, também, custos e benefícios. Se, por um lado, evitam assim a consanguinidade, por outro, dispendem muita energia deambulando à procura de novos territórios, além de que não conhecem as novas áreas para onde se deslocam. Podem ainda encontrar muita resistência e agressividade por parte de indivíduos que habitem territórios por onde passem ou para onde se desloquem.
Portanto, a dispersão e a filopatria têm, cada qual, os seus custos e benefícios. Uma solução de compromisso, que adoptasse comportamentos de dispersão e de filopatria poderia ser uma boa estratégia. Foi o que fizeram muitas espécies, especialmente entre as aves e os mamíferos. Em geral, dá-se uma diferenciação por sexos: enquanto os elementos de um dos sexos ficam no local de nascimento, os do outro sexo partem. Assim, evitam os problemas de endogamia, e os membros que permancem, desfrutam das vantagens da filopatria.
Curiosamente, parece haver uma tendência para que, nas aves, se dispersem as fêmeas, enquanto nos mamíferos são os machos que maioritariamente se dispersam. Alguns etólogos têm tentado explicar esta tendência que, reafirme-se, é uma tendência, com excepções.
Um dos etólogos que se debruçou sobre o assunto, Paul Greenwood, publicou um artigo em 1980, onde explana duas hipóteses para explicar o comportamento de aves e mamíferos quanto à dispersão. Começando por admitir que uma separação comportamental entre sexos, um deles ficando no local onde nasceu o outro partindo para novas paragens, traria evidentes vantagens para a espécie, e acrescenta uma explicação para as diferenças entre aves e mamíferos. Essa diferença, segundo Greenwood, baseia-se no modo diverso como os machos de aves e de mamíferos competem por parceiras. Os mamíferos são maioritariamente poligínicos, isto é, cada macho defende um grupo de fêmeas, competindo com outros machos pelas parceiras. Os machos jovens e os subordinados, impedidos de chegar às fêmeas, aumentam as suas possibilidades de acasalamento quando se dispersam. As fêmeas, normalmente, vivem em grupos matralineares (compostos por mães, filhas e netas), beneficiando das vantagens daí decorrentes. Assim, os machos são “forçados” a dispersarem-se para evitar os problemas de uma elevada taxa de consanguinidade.
Por outro lado, as aves são maioritariamente monogâmicas. Os machos, em vez de competirem directamente pelas fêmeas, competem por locais com bons recursos (em alimentação e em locais de nidificação), locais esses que atrairão as potenciais companheiras. O conhecimento do local será, então, mais importante para os machos do que para as fêmeas. Estas, dispersando-se evitam os problemas genéticos da endogamia e escolhem os territórios com melhores recursos. Mas estas hipóteses, funcionando bem na generalidade, têm muitas excepções, como no caso dos mamíferos territoriais, em que seria de esperar que se verificasse a hipótese dos machos teritoriais das aves, e que ocorresse a dispersão das fêmeas. Tal não acontece na maioria dos casos. Surgiram então mais hipóteses para explicar as diferenças entre sexos na dispersão. Primeiro, em 1989, em relação aos mamíferos, por Clutton-Brock, e depois expandido às aves, por Wolff e Plissner, em 1998. Em ambos os casos, os autores partem do princípio de que a filopatria é preferencial à dispersão. E que o primeiro sexo a ter oportunidade de se reproduzir será o que escolherá ficar no território, enquanto o outro sexo irá dispersar-se. Uma vez que as fêmeas dos mamíferos amamentam e cuidam das suas crias, os machos, geralmente, não apresentam cuidados parentais. Daqui resulta que os machos estão livres para vaguear para longe. Quando a sua descendência feminina alcança a idade de reprodução, muito provavelmente, o pai não estará presente, permitindo às filhas não terem de se ausentar para evitar a consanguinidade. Se o macho reprodutor estiver presente quando as suas filhas atingem a idade reprodutora, são estas que se dispersam.
Uma outra hipótese, sustentada por Stephen Dobson em 1982, afirma que nos mamíferos poligínicos, a competição por parceiros sexuais é maior nos machos do que nas fêmeas, daí serem os machos a dispersarem-se. Por outro lado, nos mamíferos monogâmicos, os níveis de competição por parceiros sexuais serão mais equivalentes, pelo que a dispersão entre sexos tenderá a efectuar-se em proporções equivalentes. Os dados parecem corroborar esta hipótese. Mas também aqui existem lacunas: como explicar, então, por exemplo, o comportamento das fêmeas nas espécies de aves monogâmicas, em que, maioritariamente, são estas a dispersar-se?
Em 1985, surge uma terceira hipótese, desenvolvida por Olof Liberg e Torbjörn von Schantz, apelidada de Hipótese de Édipo. Aqui, os autores colocam a enfase nos reprodutores e não nos jovens adultos, como o fizeram os anteriores autores. Segundo esta nova hipótese, são os pais que expulsam os jovens do território, forçando-os a dispersarem-se, e não estes que tomam a iniciativa de o fazerem. Para Liberg e von Schantz as diferenças na dispersão entre sexos, tanto nas aves como nos mamíferos, reduz a competição em termos reprodutivos entre pais e filhos. Assumem que para a descendência, na maioria dos casos, seria preferível ficar. Mas os pais ocupam uma posição hierárquica superior, e são estes que “decidem” da partida ou não dos filhos, e de qual dos sexos. E se os progenitores beneficiarem com a permanência dos filhos, mas não houver recursos suficientes para tamanha prole, poderão determinar a expulsão de alguns membros, até que o número de efectivos se “encaixe” nos recursos existentes.
Assim, o sistema reprodutivo de aves e mamíferos está intimamente ligado com o tipo de competição entre os progenitores e as descendências masculina e feminina. Genericamente, nas espécies com um sistema de reprodução poligâmico ou promíscuo, a descendência masculina, se ficar em casa, tenderá a competir com o pai por fêmeas, enquanto a descendência feminina não é uma ameaça para nenhum dos progenitores. Já nos sistemas monogâmicos, seria de esperar que nem filhos nem filhas competissem com qualquer dos pais, precisamente porque estes são monogâmicos. Mas, como já vimos, as fêmeas das aves têm tendência à dispersão, o quer dizer: são expulsas pelos pais, enquanto as fêmeas dos mamíferos são toleradas. Porquê? Pelos seus diferentes modos de reprodução: postura versus gestação e nascimento. Nas aves, uma filha a quem seja permitida a permanencia junto dos pais, poderá enganar os pais colocando ovos no ninho da família, deixando assim os custos da nidificação para aqueles. Quanto às filhas dos mamíferos, estas não têm como esconder a gravidez e o nascimento aos pais, pelo que não os poderão enganar e, então, os pais nada têm a temer, em termos de competição reprodutiva com as filhas.
Deste modo, segundo a Hipótese de Édipo temos quatro possibilidades: (1) nas aves monogâmicas, os progenitores expulsam as filhas, porque estas, apesar de não enganarem os pais quanto a cópulas, porque estes são monogâmicos, podem, no entanto, pôr os seus próprios ovos no ninho familiar, enganando ambos os pais. Os filhos, como não podem enganar os pais, são tolerados. (2) Nas aves poligínicas ou promíscuas, ambos os sexos da descendência são forçados a abandonar a área natal, porque ambos podem trair os progenitores. (3) Nos mamíferos monogâmicos, nem machos nem fêmeas descendentes podem enganar os progenitores, pelo que ambos os sexos tendem a ser tolerados no território dos pais. (4) Nos mamíferos poligâmicos ou promíscuos, a descendência masculina é expulsa porque poderão enganar o pai, acasalando com uma das fêmeas. As filhas, como não podem enganar os progenitores tendem a ficar em casa. A Hipótese de Édipo explica muitas contradições das outras hipóteses; no entanto, também tem a sua falha: não explica o facto de alguns descendentes abandonarem “de livre vontade” a área natal, o que se poderá ficar a dever à procura de melhores recursos ou para evitar a endogamia.
Como sempre, a Natureza é equilibrada mas complexa. Nenhuma hipótese explica, por si só, todas as situações que podemos encontrar quando procuramos entender as diferenças entre sexos, em aves e mamíferos, quanto à dispersão ou à filopatria. Portanto, tendo em conta o papel que jogam tanto progenitores como descendência, e as variações que poderão ocorrer de acordo com a espécie, o sexo ou o indivíduo, devemos atender a que os animais, aves e mamíferos, se tenderão a dispersar, ou não, de acordo com a satisfação de três factores básicos: a redução da competição por recursos, a redução da endogâmia e a redução da conflitualidade entre progenitores e descendência.
Biodiversidade e e Seu Potencial Econômico

O Brasil é considerado o primeiro país em biodiversidade do globo. Ainda assim, de acordo com estimativas do Ibama, nem 1% das espécies brasileiras são conhecidas pela ciência. Boa parte dessas espécies podem vir a ser extintas antes mesmo de serem descritas por pesquisadores. A bioprospecção e o desenvolvimento de bioprodutos são alternativas de desenvolvimento socioeconômico que justificam a preservação dos biomas nativos, impulsionando ainda o conhecimento sobre a biodiversidade.
No século XXI, o mercado mundial abre perspectivas totalmente inovadoras, nas quais direciona-se grande esforço na busca de novos produtos para fins medicinais, cosméticos, suplementos nutricionais, produtos agrícolas, entre outros, voltados ao prolongamento da vida com qualidade. Exemplos dessas inovações não faltam. Só em 1998, os medicamentos movimentaram 300 bilhões de dólares em todo o mundo, sendo que 40% dos produtos têm origem direta ou indiretamente de fontes naturais. No Brasil, as vendas atingiram a marca de 11 bilhões de dólares, havendo ainda um espaço enorme para ampliação desse mercado. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimou em pelo menos 2 trilhões de dólares o valor potencial do banco genético brasileiro.
Só na floresta tropical, pesquisas recentes apontam para um potencial de mais de trezentos novos bioprodutos, derivados de produtos naturais disponíveis. Dados da Organização Mundial de Saúde apontam para a utilização de plantas na cura de enfermidades por parte de 85% da população mundial (cerca de 4 bilhões de pessoas). Cerca de 20% de todo o faturamento das empresas de produtos farmacêuticos é empregado na descoberta de novas drogas. Dentre estas, o mercado de produtos de higiene pessoal, perfumaria, cosméticos, principalmente no que se refere às lifestyles drugs, drogas que reúnem saúde e rejuvenescimento, vem apostando alto nas inovações, especialmente na diversificação de insumos naturais provenientes das florestas tropicais. O faturamento nacional desse setor atingiu, em 1999, a marca dos 12 milhões de dólares. Dentro desse processo, os produtos farmacêuticos de origem natural ganham terreno e já representam 17% do mercado mundial.
As florestas tropicais úmidas são, também, ricas fontes de microorganismos, fontes potenciais de novos compostos de ação antibiótica e de drogas imunodepressoras, as quais, entre outros importantes resultados, aumentam consideravelmente o grau de sucesso de transplantes de órgãos. Outra área de interesse é a pesquisa de toxinas encontradas em venenos e peçonhas de animais. No escritório de Patentes do Governo dos Estados Unidos, foram registradas, recentemente diversas patentes de toxinas de aranhas e escorpiões, sendo algumas de bioinseticidas seletivos, princípios neurobloqueadores e substâncias terápicas para doenças cardíacas; além de registros de patente de toxinas de serpentes, sendo a maioria voltada para o uso em terapias de controle de pressão arterial.
Biodiversidade e Desenvolvimento sustentável
Biodiversidade e seu potencial econômico para o desenvolvimento local e regional
O futuro do desenvolvimento do país depende da forma como serão administradas suas potencialidades. Pouco vale o desenvolvimento de novos produtos que gerem bilhões de dólares em lucros no mercado internacional se esses lucros não se refletirem em benefícios sociais, principalmente às comunidades locais, e em especial, aquelas que detém o conhecimento tradicional sobre a biodiversidade.
Uma política de indução e fomento ao uso sustentável dos componentes da biodiversidade, com o apoio da biotecnologia, deve ser concretizada como um novo norteador de estratégias produtivas, que não favoreçam novas economias de enclave, mas permitam o estabelecimento de cadeias produtivas que unam o interior aos centros urbanos que forem abrigar as atividades finais das cadeias. Nesse sentido, é preciso vencer a distância que separa grande parte das iniciativas extrativistas de hoje, pouco vinculadas ao restante da cadeia produtiva, e a bioindústria emergente, em geral pouco comprometida com as populações da floresta. Para isso, torna-se fundamental vencer o desafio, não solucionado nos ciclos econômicos regionais anteriores, de orquestrar o funcionamento conjunto da ciência com a produção, acoplando às cadeias produtivas as cadeias de conhecimento correspondentes.
Apesar do modelo econômico vigente ser predatório, algumas iniciativas contemplam o desenvolvimento econômico de forma sustentável, com o manejo de produtos florestais, principalmente nos estados do Acre, Amapá e Amazonas. No Acre, foram atendidas mais de quatro mil famílias de seringueiros, índios e ribeirinhos, no fortalecimento dos segmentos de cadeias produtivas de produtos da floresta. O processo foi iniciado pela borracha e castanha, e já ampliou o leque de produtos explorados com os estudos de mais treze cadeias produtivas, com o apoio do Probem. Os estímulos do governo levaram mais de três mil famílias a retornarem para essa atividade produtiva, sendo que destas, cerca de mil famílias voltaram a morar na floresta, deixando a periferia de cidades. Aproximadamente 500 famílias manejam hoje a copaíba para extração sustentável de óleo. Outras quinhentas se beneficiam da coleta da castanha de andiroba, que é comercializada para a usina de óleos florestais dos índios Yawanawá.
Na Floresta Nacional de Tapajós, a produção de couro ecológico e a extração de óleo de andiroba vêm crescendo a cada ano, possibilitando o aumento da renda familiar em atividades compatíveis com o manejo daquela unidade de conservação. Em parceria com o MMA, a Ong Amigos da Terra montou um banco de dados na internet, onde coloca o produtor amazônico em contato com o comprador. São 20 empreendimentos comunitários e 400 produtos.
Para que esta nova política pública seja ampliada para toda a região e alcance resultados até então atingidos por programas em escala demonstrativa, visualizam-se as seguintes demandas, a serem atendidas:
1. Necessidade de fomento ao desenvolvimento de instrumentos que permitam a implantação de novos modelos econômicos, estabelecidos com base na utilização sustentável dos recursos da biodiversidade regional;
2. Direcionamento da atual tendência de crescente uso econômico da biodiversidade, atendendo à necessidade de fomentar o ramo/setor e disciplinar suas atividades, com base em prioridades estabelecidas a partir de políticas públicas direcionadas à eqüidade social e à sustentabilidade ambiental;
3. Zelo pela geração e repartição de benefícios socioeconômicos e ambientais aos atores sociais participantes;
4. Necessidade de capacitação para o aprimoramento socioeconômico e tecnológico das comunidades e demais atores econômicos que efetiva e potencialmente vivem deste ramo/setor de atividades, para que suas atividades ganhem escala;
5. Importância de se estabelecer estudos e conhecimento sobre as cadeias produtivas de bioprodutos, como base para se estruturar as ações de intervenção das políticas públicas;
6. Atender à necessidade de alavancar a competência e capacitação regional para atender ao atual crescimento da biotecnologia e da bioindústria, principalmente no que se refere a:
1. manejo e utilização sustentável dos componentes da biodiversidade;
2. pesquisa e desenvolvimento direcionados à obtenção de bioprodutos;
3. formação e desenvolvimento de novos empreendimentos (bioempreendimentos).
Situação e tendências do papel das comunidades
Sem dúvida, a utilização sustentável de componentes da biodiversidade constitui o novo desafio a encarar, condição essencial para o progresso na apropriação dos meios de produção, atualmente limitados pela pequena variedade de espécies da floresta manejados e comercializados, o que vem colocando a chamada “economia da floresta em pé” ainda em condições de desvantagem em relação às práticas agrícolas e agroflorestais baseadas na substituição da floresta.
Duas dinâmicas econômicas em crescimento, cujos atores são, predominantemente, pequenos produtores, os sistemas extrativistas e a chamada colonização agrícola, necessitam urgentemente de novas alternativas de geração de renda a partir da floresta, de forma a valorizar cada vez mais a biodiversidade ainda presente, ao mesmo tempo em que possibilitem a recuperação econômica de grandes extensões de áreas degradadas, criadas a partir de tecnologias inadequadas às condições naturais existentes.
Tal desafio vem esbarrando no despreparo dessas organizações populares para tratar o tema da biodiversidade, cujas nuances envolvem princípios legais e padrões tecnológicos relativamente novos, cujo desenvolvimento e definições ainda não estão completas. Alguns temas, como o acesso ao conhecimento tradicional e a repartição de benefícios derivados, contêm indefinições legais com frentes de discussão ainda abertas no nível internacional. Além disso, a atual legislação de regularização de novos produtos, cujo ordenamento é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, torna este processo proibitivo para pequenos empreendedores, dados os custos, que alcançam, em média, cerca de dez mil dólares para validação de um novo produto.
Para inserir de forma plena estas comunidades no processo de apropriação dos componentes da biodiversidade, constituindo o controle social necessário para evitar a formação de novos enclaves econômicos na região, e garantir a repartição dos benefícios oriundos dessa nova dinâmica, faz-se necessário um amplo processo de capacitação desse segmento social, com base na resolução dos obstáculos à construção de novas cadeias produtivas, sob os aspectos legais, tecnológicos, institucionais e organizacionais. Tal processo precisa ser construído de forma participativa, onde as demandas sejam identificadas pelos próprios atores, com apoio dos especialistas nas diversas áreas a serem abordadas.
Situação e tendências de P&D
O Brasil pertence a uma minoria de países que se distingue pelo nível de desenvolvimento da pesquisa científica, que inclui um sistema acadêmico complexo e instituições de pesquisa consolidadas. Para se ter uma idéia da capacidade técnico-científica do país, a publicação de artigos na imprensa especializada internacional cresceu a uma taxa 57% superior à média mundial e o número de doutores no Brasil dobrou, nos últimos anos.
No entanto, é importante ressaltar que os rumos do desenvolvimento científico e tecnológico adotados nas últimas décadas não foram suficientemente convergentes para produzir o necessário conhecimento demandado para mudar com agilidade o panorama da ocupação das regiões rurais, sobretudo as amazônicas. O conhecimento da composição da biodiversidade e do funcionamento dos ecossistemas ainda é deficiente, e as informações levantadas encontram-se de forma fragmentada e dispersa.
Na atual conjuntura, em que o mundo começa a sofrer uma mudança de paradigma tecnológico de grandes proporções (de commodity para speciality), o país, e sobretudo a Amazônia, ainda sem conseguir resolver os problemas causados pelos antigos paradigmas, vê-se à frente de um grande desafio: adequar suas estruturas de produção econômica, científica e tecnológica às novas estratégias de transformação de recursos naturais.
Alguns fracassos ocorreram em tentativas passadas de encontro entre ciência e desenvolvimento regional, como no caso da implantação do Plano de Valorização Econômica da Amazônia - PVEA, que começou a ser implantado no início da década de 50. Tais fracassos foram ocasionados principalmente pela disritmia entre uma estratégia de desenvolvimento mal desenhada e os prazos necessários para geração dos conhecimentos requeridos, que extrapolavam em muito a própria duração prevista do Plano. Assim, um sistema regional de C&T ainda em formação foi desestruturado, cristalizando um divórcio entre as necessidades locais e as prioridades científicas, cujo entendimento é necessário e a reversão, difícil.
Em quadros como esse, de pouca sintonia entre produção científica e estratégia de desenvolvimento, a ciência regional desenvolveu-se de forma difusa e no dia-a-dia, foi deixando de lado a concentração e a objetividade que caracterizam os grandes progressos tecnológicos em países do primeiro mundo, onde a ciência sempre andou lado a lado e integrada ao desenvolvimento econômico e sócio-cultural.
Especialmente no campo da biotecnologia, o país já entra, inicialmente, na condição de vagão atrelado a uma locomotiva. Este atrelamento, que agora parece inevitável, abre também um interessante e importante espaço para o país construir caminhos que lhe sejam próprios e peculiares. Este caminho de dupla influência só vai funcionar, entretanto, se dentro de um determinado espaço existir diálogo entre os dois empreendimentos do binômio C&T, ou seja, pode-se estar novamente frente a uma situação recorrente: a inexistência de conhecimentos suficientes nas regiões, e de difícil produção nos prazos requeridos, para sustentação das estratégias de desenvolvimento.
Essa pauta de trabalho deve ter a capacidade de mobilizar a ciência regional para um processo de desfragmentação, ou seja, de mobilização e convergência em torno de uma ação de resgate dos fragmentos de conhecimento existentes e sua complementação. Essa ação deve ocorrer no sentido de responder às demandas do processo tecnológico pretendido pela sociedade, em consonância com os princípios da justiça ambiental, contemplando inclusão social. Trata-se de ação complexa e gradual, onde o empreendimento biotecnológico não pretende substituir a estrutura de pesquisa existente no País e, mais especificamente, na região amazônica, mas interligar as diversas competências nacionais. Os resultados desse esforço não se apresentarão imediatamente, o que obrigará a estabelecer alternativas de transição, que atendam às demandas de mais curto prazo.
Sem dúvida, alguns avanços ocorridos recentemente precisam ser consolidados e fortalecidos, como a criação de fundos setoriais, uma grande conquista na modernização e fortalecimento do sistema de financiamento da ciência, tecnologia e inovação brasileiras, crescendo a sinergia entre as diversas instâncias de governo, e destas com a sociedade, a partir da proliferação de novas instituições executivas, novos fundos e novos fóruns.
Nesse sentido, é preciso fortalecer, cada vez mais, as práticas de projetos cooperados, organizados em redes interdisciplinares, envolvendo empresas e instituições de P&D, capacitando localmente e replicando experiências bem sucedidas. Tais projetos podem ser fortalecidos a partir de sua discussão em fóruns locais que integrem as diversas demandas, estabelecendo instâncias que possibilitem a decisão transparente sobre as prioridades e a viabilização de recursos por meio de ampla participação dos diversos setores envolvidos.
O empreendimento biotecnológico carrega em si a necessidade de articular produção, ciência, desenvolvimento tecnológico e ocupação sustentável do espaço, além da necessidade de consolidar-se como uma alternativa concreta às soluções atualmente existentes. Conjugar a construção do espaço regional com o caminhar da ciência é, neste sentido, o principal desafio histórico a ser superado.
Situação e tendências do papel dos empreendimentos industriais e comerciais
Existem entraves reais à locação de bioindústrias em algumas regiões do Brasil, especialmente na Amazônia, cuja superação, embora não seja impossível, necessita enfrentar sérias dificuldades, quais sejam:
• Ausência de uma rede de centros de pesquisa de excelência, considerada a principal condição para a intensa geração de inovações que esta indústria depende;
• Ausência de complexa estrutura de serviços à produção, cruciais para a trajetória entre a pesquisa básica e produto, tais como: indústrias de equipamento para desenvolvimento conjunto de processos produtivos; distribuidores, que têm papel decisivo nas relações produtor/usuário; firmas de advocacia especializada em direitos de propriedade intelectual, repartição de benefícios e bioparcerias; firmas especializadas na captação e alocação de capital de risco; rede de hospitais e centros de pesquisa capazes de realizar testes controlados de fármacos e outros produtos; etc.
• Distância de aglomerados de outras atividades industriais cujos produtos ou processos de produção integram ou são parcialmente paralelos às cadeias produtivas da bioindústria;
• Baixíssima oferta de capital humano com o espectro de qualificações necessário ao preenchimento dos requisitos da indústria, de pesquisadores de ponta e pessoal de nível médio;
• Distância dos centros de decisão, matrizes, e mesmo de filiais, das empresas existentes nos diversos ramos da bioindústria atuantes no território brasileiro.
Para enfrentar tais disparidades e dar partida em um processo considerado de fundamental importância na correção de rumos do desenvolvimento regional, há que se trabalhar com atividades cujos padrões tecnológicos podem resultar, com maior grau de sucesso, em geração significativa de renda em empregos em bem mais curto prazo. Tal direção recomenda priorizar, inicialmente, o desenvolvimento de fitoterápicos, cosméticos, bebidas, alimentos e suplementos alimentares, considerando todo o espectro de sub-setores, produtos e processos associados a estas cadeias produtivas. Tal estratégia compreende diversas vantagens:
• A rede de instituições de pesquisa atual tem condições de atuar nas áreas;
• Trata-se de nichos de mercado adequados às empresas nacionais de pequeno e médio porte, muitas já atuantes na região e no país;
• Os benefícios em termos de emprego, distribuição e multiplicação da renda por unidade investida são maiores;
• O potencial de geração de inovações competitivas é elevado;
• A disseminação ampla de tecnologias permite a elevação posterior dos patamares tecnológicos dos sistemas, por meio de políticas ativas de benchmarking, entre outros fatores.
Esse esforço pode ser executado sem, necessariamente, abandonar-se as hipóteses concretas de utilização de tecnologias intensivas em conhecimento, mas em uma etapa intermediária, voltar-se à adaptação ou mesmo imitação de tecnologias bem sucedidas, buscando a compreensão, o uso e a modificação destas tecnologias, promovendo soluções que possam imediatamente ser transferidas para a extensão, inclusive porque as pesquisas destas soluções já partem de problemas concretos. Estes padrões tecnológicos, ao mesmo tempo em que são facilmente assimiláveis pelos produtores, demandam e contribuem para a formação de grande número de técnicos de nível médio.

Impactos da Fragmentação Florestal Sobre a Diversidade Biológica
O processo de fragmentação florestal traz como consequência a redução e o isolamento dos habitats, além de ocasionar o aumento do efeito de borda, pois nos locais próximos do limite entre o remanescente e a matriz circundante são observadas alterações significativas na radiação, no vento e na dinâmica da água (SAUNDERS et al., 1991). As mudanças na paisagem podem causar uma série de impactos na biota, como a diminuição do fluxo gênico entre populações, a redução no tamanho das populações, a extinç ão de espécies e alterações na composiç ão das comunidades biótic as (MoRATo; CAMpoS, 2000; DAvIES et al., 2001; GIMENES; ANJoS, 2003; lAURENCE; vASCoNCEloS, 2009). A diversidade biológica presente em grandes extensões de florestas não é totalmente mantida nos fragmentos, pois não suportam grandes populações ou uma grande variedade de espécies. os fragmentos pequenos não suportam elevado número de indivíduos de espécies que precisam de grandes áreas para sobreviver, como vários predadores de topo de cadeia alimentar. Além disso, o isolamento das populações acarreta perda genética e de flexibilidade evolucionária, devido ao menor fluxo gênico (kAGEyAMA; GANDARA, 1998; CAMpoS, 2006). Existem ainda as espécies que não conseguem se adaptar às condições ambientais dos remanescentes florestais e a diversidade de habitats, geralmente, é menor em fragmentos que em florestas contínuas (pAGlIA et al., 2006). Assim, muitas vezes os fragmentos possuem uma menor riqueza de espécies que florestas contínuas ( So BR I NH o et al., 2003; BRUHl et al., 2003; vASCoNCEloS et al., 2006).
Todavia, em outr os c asos, é a composição das comunidades que varia entre fragmentos florestais e florestas contínuas (pUNTIllA et al., 1994; GIBB; HoCHUlI, 2002; SCHoEREDER et al., 2004), pois os fragmentos, principalmente os menores, podem ser invadidos por espécies
que habitam a matriz circundante. Além dos efeitos diretos sobre as espécies, a fragmentação dos habitats também pode afetar severamente processos ecológicos, como a ciclagem de nutrientes e as interações ecológicas (kRUESS; TSCHARNTkE, 1994; GUIMARãES; Co GNI, 2002; pAUw, 2007; ANDREAzzI et al., 2009; lAURENCE; vASCoNCEloS, 2009). A fragmentação gera a extinção de espécies de mamíferos e afeta a taxa de remoção das sementes, a distância de remoção e o recrutamento das espécies de plântulas dispersas por esses animais (ANDREAzzI et al., 2009). A importância das aves para a dispersão de sementes também é conhecida, entretanto, a fragmentação pode influenciar a riqueza de espécies de aves e a composição da comunidade (ANJoS, 1998; GIMENES; A NJ o S, 2003). Assim, a dispersão de sementes pode ser prejudicada (RABEllo et al., 2010). Também é conhecido que a maior parte das espécies de ár vores das florestas tropicais requer agentes bióticos, particularmente insetos, para a polinização de suas flores. Entretanto, a fragmentação florestal pode alterar o comportamento de forrageamento, limitar o movimento entre fragmentos e reduzir a abundância e a riqueza de espécies de polinizadores (lENNARTSSoN, 2002; AGUIRRE; DIRzo, 2008). Dessa forma, o sucesso reprodutivo das plantas também pode ser afetado (HIRAyAMA et al., 2007). pauw (2007) observou que a espécie de abelha Rediva peringueyi (friese, 1911) foi ausente em pequenas áreas conservadas e em uma matriz urbana na África do Sul, como consequência, a produção de sementes falhou em seis espécies de plantas que são polinizadas somente por essa abelha. A fragmentação também afeta as populações dos predadores e presas, influenciando a predação. Tabarelli e Mantovani (1997), observaram que a taxa de predação de ovos de pássaros foi significativamente maior na borda que no interior de uma floresta no Espírito Santo. Essa série de impactos sobre as interações ecológicas certamente põem em risco a sobrevivência das espécies. Além disso, os efeitos da fragmentação florestal não são homogêneos para os diversos táxons (ANJoS, 1998), o que torna mais complexo a elaboração de estratégias que possibilitem a conservação de todas as espécies de uma paisagem fragmentada. Todavia, a despeito dos ef eitos negativos da fragmentação florestal sobre a diversidade biológica, algumas espécies ameaçadas de extinção ainda podem ser encontradas nos fragmentos florestais (BERNACCI et al., 2006), evidenciando a necessidade de incluir os remanescentes florestais nas estratégias de conservação da diversidade biológica.
As características dos fragmentos florestais e sua relação com a conservação das espécies
As características dos fragmentos florestais irão determinar sua propensão em suportar maior ou menor número de espécies dos diferentes táxons. Dentre as características mais importantes, estão o tamanho do fragmento, o grau de isolamento, a forma, o tipo de vizinhança e o histórico de perturbações (vIANA; pINHEIRo, 1998). Quanto ao tamanho do fragmento e seu grau de isolamento, cabe comentar sobre a teoria da biogeografia de ilhas (MACARTHUR; wIlSoN, 1963). A teoria trata da probabilidade de extinção de espécies que habitam ilhas e da recolonização desses ambientes. pela teoria, a probabilidade de ocorrer a extinção de uma espécie é maior em uma ilha pequena que em uma grande. Além disso, a probabilidade de uma espécie chegar até a ilha está relacionada positivamente com o tamanho da ilha e negativamente com a distância entre a ilha e a fonte. Essa teoria vem sendo aplicada aos fragmentos florestais, pois funcionam como ilhas em meio a uma matriz de áreas agrícolas e pastagens. Dessa forma, fragmentos maiores e menos isolados seriam mais propícios para a manutenção da biodiversidade. A forma dos fragmentos florestais é importante por estar relacionada com o efeito de borda e a susceptibilidade do remanescente aos fatores externos. As bordas criadas pelo desmatamento são artificiais, sendo uma transição abrupta entre a floresta e o ambiente adjacente (lAURANCE; vASCo NCElo S, 2009). fragmentos com maiores perímetros em relação à sua área estariam sujeitos a um maior efeito de borda (DURIGAN et al., 2006). Como o perímetro está relacionado com a forma dos fragmentos, remanescentes florestais com áreas mais circulares e, portanto, com menor perímetro relativo, sofreriam menos efeitos de fatores externos. A vizinhanç a dos fr agmentos se ref ere ao uso do solo no ambiente que tem contato com a floresta. Nesse sentido, ambientes externos com maior complexidade estr utural da vegetaç ão, como sistemas agrícolas diversificados e com a presença de vários estratos verticais, podem colaborar para a conser vação da biodiversidade nos fragmentos, pois são ambientes mais próximos à estrutura original da floresta, se comparado com ambientes mais distantes, como monoculturas. por outro lado, fragmentos vizinhos de pastagens e áreas urbanas podem ter o efeito de borda intensificado e serem mais propensos à perda de espécies. fragmentos florestais vizinhos de áreas de pastagem podem sofrer, por exemplo, com incêndios provocados nas áreas vizinhas e com o pisoteio provocado pelo gado ao adentrar a floresta. Já nos fragmentos vizinhos de áreas urbanas, comumente, podem ser encontrados vestígios de atividades humanas, como o lixo. Nesse sentido, Saunders et al. (1991) afirmam que as pesquisas sobre os ecossistemas fragmentados, além de estudarem a biota, devem ser dirigidos para a compreensão e controle das influências externas. outro fator crucial é o histórico de perturbações, que muitas vezes é complexo e longo, mas é um dos fatores que melhor explica o estado atual da estr utura do fragmento (vIANA; pINHEIRo, 1998). É comum que os fragmentos florestais tenham sofrido ações antrópicas como a caça, o fogo e a retirada seletiva de madeira e outros produtos vegetais (GoNzAGA et al., 2007; MUllER et al., 2010). Tendo em vista a importância dos fatores apresentados, é imprescindível que esses sejam levados em consideração na elaboração de estratégias para a conservação da diversidade biológica nos fragmentos florestais.

Etapas da Implementação da Política Nacional de Biodiversidade