Bioprospecção da Biodiversidade:

Bioprospecção da Biodiversidade

Bioprospecção da Biodiversidade

 Por: Michelliny de Matos Bentes-Gama,

O Brasil é um dos países mais ricos em diversidade macro e microbiológica. São cerca de 50.000 espécies de vegetais, 524 de mamíferos (dos quais 131, endêmicos), 517 anfíbios (294 endêmicos), 1.622 espécies de aves (191 endêmicas), 468 répteis (178 endêmicos), aproximadamente 3.000 espécies de peixes de água doce e uma estimativa de 10 a 15 milhões de insetos. Entretanto, esta biodiversidade brasileira está sendo perdida devido à falta de ordenamento das ações antrópicas.

A importância da Biodiversidade passou a ser compreendida a partir do desenvolvimento da biotecnologia, quando se começou a observar que quanto mais diversidade de vida um país possui, uma gama maior de produtos podem ser desenvolvidos e industrializados, principalmente os farmacológicos. Estima-se que cerca de 45% do produto interno bruto brasileiro seja derivado da utilização de recursos da biodiversidade incluindo produtos da agroindústria, setor florestal e pesca (MMA, 1998 apud Viana et al. 1998; SANTOS, 2002).

Para serem eficazes, as estratégias de proteção da biodiversidade devem levar em conta o fato que a biodiversidade avança rapidamente de uma situação de uso econômico limitado, para uma outra de uso econômico amplo, tornando pertinente tratá-la, não só como uma "coisa", mas também como um "bem". Devido ser essencial para a sobrevivência da humanidade, é necessário considerá-la como um objeto de relação jurídica (bem público) e econômica (direito de propriedade) (ALCOFORADO, 1999).

Com o reconhecimento do potencial da biodiversidade brasileira nos últimos anos, aliada às problemáticas da grande extensão territorial do país, falta de recursos para fiscalizá-la, escassez de recursos naturais no restante do mundo, e a baixa conscientização de sua importância científico-econômica vem-se facilitando a biopirataria, que é o comércio ilegal da biodiversidade, e só poderá ser controlada se houver simultânea retração das atividades que degradam os habitats, ou impedem sua conservação ou recuperação. Para que isso aconteça, é necessário que as últimas sejam mais vantajosas que as primeiras, o que requer a intervenção pública para estímulo e adoção.

A Rio-92 levou 157 países a assinarem a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica) em grande parte voltada para o estabelecimento de modos de exploração dos recursos biológicos pela engenharia genética. Hoje a CDB já está assinada e ratificada por 174 países, com exceção dos EUA. O artigo 10 da CDB é o foco principal dos temas relacionados com o uso sustentável da biodiversidade enquanto o artigo 11 trata dos incentivos a conservação da biodiversidade.

Com relação ao artigo 10, VIANA et al. (1998) destacam que os signatários da convenção devem: i. incorporar o exame da conservação e utilização sustentável de recursos biológicos no processo decisório nacional; ii. adotar medidas relacionadas à utilização de recursos biológicos para evitar ou minimizar os impactos na diversidade biológica; iii. proteger e encorajar a utilização de recursos biológicos de acordo com as práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável; iv. apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas corretivas em áreas degradadas onde a diversidade biológica tenha sido reduzida; e v. estimular a cooperação entre as autoridades governamentais e o setor privado na elaboração de métodos de utilização sustentável dos recursos biológicos.

Em relação ao artigo 11 (Incentivos) cada parte contratante deve na medida do possível adotar medidas econômicas e socialmente racionais que incentivem à conservação e a utilização sustentável dos componentes da diversidade biológica.

A CDB serviu para institucionalizar direitos de propriedade física e intelectual, como também facilitou a negociação direta entre o poder público e as empresas privadas de biotecnologia, o que tende a resultar em contratos de bioprospecção prevendo uma exploração econômica não destrutiva dos recursos genéticos, e uma divisão "justa e equânime" dos lucros (VEIGA, 2002)

Assim, surgiu em âmbito mundial uma nova forma de exploração dos recursos naturais biológicos, ou seja, a bioprospecção, que pode ser definida como: o método ou forma de localizar, avaliar e explorar sistemática e legalmente a diversidade de vida existente em determinado local (SANTOS, 2002). A bioprospecção tem como principal finalidade a busca de recursos genéticos e bioquímicos para fins comerciais

O processo de bioprospecção deve observar princípios para que tenha credibilidade científica, política e econômica, sendo estes os seguintes: Princípio da prevenção: na dúvida quanto aos impactos irreparáveis não se deve iniciar ou prosseguir com o processo; Princípio da conservação: para evitar o esgotamento do recurso; Princípio da equidade distributiva: envolve os benefícios compartilhados com todos que participam do processo; Princípio da participação pública: participação mais ampla possível da população local; Princípio da publicidade: os atos da atividade devem ter total transparência e com caráter público, porque se trata de bem público; Princípio do controle público e privado: o processo deve ser controlado pelos órgãos de fiscalização assim como pelas entidades não governamentais; e Princípio da compensação: a comunidade ou a pessoa fornecedora da matéria prima ou do conhecimento (como por exemplo os pajés) devem receber compensações em dinheiro ou em bens.

Além dos princípios elencados é necessário que sejam realizadas ações concretas para incrementar o processo de bioprospecção, tais como: Realização de inventário da biodiversidade formando uma base de dados concreta para que se conheça o que se tem e assim fornecer subsídios para se conhecer seu potencial; Conscientização sobre a importância da biodiversidade para a sobrevivência dos ecossistemas e das próprias espécies em geral, por meio da educação ambiental; Definição detalhada das atividades e as finalidades relacionadas a cada elemento pesquisado; Revisão da legislação adequando-a às necessidades de preservação e exploração econômica dos bens naturais em questão, disciplinando sua alienação, utilização, sigilo, patente etc.; Estruturação de uma política de prospecção tendo entre seus parâmetros a preservação da soberania nacional e o cuidado para que o povo não seja prejudicado pela má distribuição dos benefícios advindos desta forma de exploração; Divulgação publica dos atos do processo de bioprospecção; Fomento à investigação científica; Garantia da partição dos benefícios às comunidades envolvidas, respeitando o direito de propriedade da medicina natural dos indígenas, tanto coletiva quanto individual; Incentivo ao desenvolvimento das relações formais e informais entre a comunidade científica, as ONGs, os grupos indígenas e a coletividade em geral.

Com relação à proteção jurídica da biodiversidade e do processo de bioprospecção destacam-se:
- Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/81), que tem como princípios a manutenção do equilíbrio ecológico (art.2º,I) e a proteção dos ecossistemas (art.º2, IV), mostrando que a preservação da biodiversidade é essencial;

- Constituição Federal de 1988, que protege a diversidade quando diz que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.225); estabelece a preservação dos ecossistemas brasileiros e sua diversidade (§ 4º), em que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, são considerados patrimônio nacional; obriga a proteção da diversidade do patrimônio genético (inciso II); observa-se ainda a existência da Lei 8.974, de 5/01/95 (Lei da Biossegurança), que regulamenta os incisos II e V do § 1º do citado artigo, estabelecendo normas de segurança, fiscalização e comercialização.

- Convenção sobre Diversidade Biológica que teve a finalidade, entre outras, de chamar a atenção dos países signatários e também do mundo em geral, sobre a importância da biodiversidade, dos valores ecológicos, social, econômico, científico, cultural, bem como reafirmou que os Estados são responsáveis pela sua conservação para a obtenção de um desenvolvimento sustentável. A referida convenção foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 2, de 03.02.94;

- Leis de preservação florestal (Lei 4.771/65, Cód. Florestal) e dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que criam as unidades de conservação para a proteção da biodiversidade dos ecossistemas;

- Lei de Cultivares (Lei nº 9.456, de 28/04/97) que disciplina o direito de propriedade sobre a multiplicação e produção de cultivares e sementes de vegetais.

Como instrumentos de comercialização dos recursos biológico existem os Contratos de Bioprospecção, que são instrumentos para a efetivação da bioprospecção É necessário, porém, que o Poder Público, as entidades particulares não governamentais (ONGs), as universidades públicas e particulares, as indústrias químicas e farmacêuticas - entre outras, as comunidades e a coletividade em geral participem concretamente por meio de convênios, contratos de concessão, permissão e parcerias em geral. Só assim, poderão ser postos em prática os atos do processo de prospecção da biodiversidade.

Referências Bibliográficas
ALCOFORADO, I. G. Desenho de Mecanismo de Incentivo à Proteção à Biodiversidade: direitos de propriedade e contratos. In: ENCONTRO NACIONAL DA ECO-ECO,3., 1999, Recife, Anais... [on line]. URL: http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/eco/trabalhos/mesa1/2.doc. Consultado em 02/09/02.
VEIGA, J. E. da. Biodiversidade e dinamismo econômico. In: ENCONTRO NACIONAL DA ECO-ECO,3., 1999, Recife, Anais... [on line]. URL: http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/eco/ trabalhos/mesa1/3.doc. Consultado em 02/09/02.
SANTOS, A. S. R. dos. Biodiversidade, bioprospecção, conhecimento tradicional e o futuro da vida. [on line]. URL: http://www.revista.unicamp.br/infotec/artigos/silveira.html. Consultado em 11/09/02.
VIANA, V. M.; VERÍSSIMO, A.; PINHEIRO, L. A. F. V. Estratégia nacional de diversidade biológica utilização sustentável de componentes da diversidade biológica e incentivos. Campinas: Base de Dados Tropical, 1998. [on line]. URL: http://www.bdt.org.br/publicacoes/politica/gtt/gtt4. Consultado em 08/09/02.
Michelliny de Matos Bentes-Gama, Engenheira Florestal, Mestre, Pesquisadora da Embrapa Rondônia. E-mail: mbgama@cpafro.embrapa.br

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