BIOTECNOLOGIA, AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE.



A biotecnologia está sendo usada para reparar os problemas causados por tecnologias agroquímicas anteriores (resistência aos pesticidas, poluição, degradação do solo, etc.) desenvolvidas pelas mesmas empresas que agora lideram a biorevolução. Os cultivos transgênicos criados para o controle de pragas, seguem de perto os paradigmas de usar apenas um mecanismo de controle (um pesticida) que demonstrou repetidas vezes seu fracasso frente aos insetos, aos patógenos e às pragas (National Research Council, 1996). O tão falado enfoque “uma praga – um gene” será facilmente superado por pragas que continuamente se adaptem a novas situações e desenvolvam mecanismos de desintoxificação (Robinson, 1996).

A agricultura desenvolvida com cultivos transgênicos favorece as monoculturas, que se caracterizam por níveis perigosamente altos de homogeneidade genética, que por sua vez conduzem a uma maior vulnerabilidade dos sistemas agrícolas ante situações de estresse biótico e abiótico (Robinson, 1996). Quando se promove a monocultura, também se inibem os métodos agrícolas ecológicos, como as rotações e os cultivos múltiplos, exacerbando assim, os problemas da agricultura convencional (Altieri, 2000).

Na medida em que as sementes obtidas por engenharia genética substituam as antigas variedades tradicionais e seus parentes silvestres, a erosão genética se acelerará no Terceiro Mundo (Fowler e Mooney, 1990). A busca de uniformidade não só destruirá a diversidade dos recursos genéticos, mas também alterará a complexidade biológica na qual se baseia a sustentabilidade dos sistemas tradicionais de cultivo (Altieri, 1996).

Existem muitas perguntas ecológicas sem resposta sobre o impacto da introdução de plantas e microorganismos transgênicos no meio ambiente e a evidência disponível apóia a posição de que o impacto pode ser substancial. Entre os principais riscos ambientais associados com as plantas produzidas por engenharia genética está a transferência involuntária de “transgenes” às espécies silvestres relacionadas, com efeitos ecológicos imprevisíveis.

Resistência aos herbicidas
Ao criar cultivos resistentes a seus herbicidas, as empresas biotecnológicas podem expandir mercados para seus produtos químicos patenteados (segundo Duke (1996), em 1997, 50 mil agricultores plantaram 3,6 milhões de hectares de soja resistente aos herbicidas, equivalente a 13 por cento dos 28,74 milhões de hectares de soja cultivada nos Estados Unidos) os observadores estabeleceram um valor de US$ 75 milhões aos cultivos resistentes aos herbicidas em 1995, o primeiro ano de comercialização, o que indica que para o ano 2000, o mercado seria de aproximadamente 805 milhões de dólares, o que representa um crescimento de 61 por cento (Carpenter e Gianessi, 1999).

O uso contínuo de herbicidas como o bromoxynil e o glifosato (também conhecido como Roundup da Monsanto) tolerados por culturas resistentes a estes herbicidas, pode acarretar problemas (Goldberg, 1992). Sabe-se muito bem que quando um só herbicida é usado continuamente em um cultivo se incrementa enormemente o risco do desenvolvimento de resistência ao herbicida nas populações de plantas invasoras (Holt et al., 1993). Conhecem-se aproximadamente 216 casos de resistência a uma ou mais famílias de herbicidas (Holt e Le Baron, 1990). Os herbicidas do grupo triasinas registram a maior quantidade de espécies de plantas invasoras resistentes (aproximadamente 60).

Dada a pressão da indústria para aumentar as vendas de herbicidas, a área tratada com herbicidas de amplo espectro se ampliará, intensificando assim, o problema da resistência. Por exemplo, se projetou que a área tratada com glifosato aumentará uns 60,73 milhões de hectares. Ainda que o glifosato seja considerado menos propício para criar resistência em ervas daninhas, o aumento no uso deste herbicida dará como resultado a resistência dos inços ainda que este processo seja mais lento. Isto já foi registrado em populações australianas de pastos como ryegrass, quackgrass, Eleusine indica e Cirsium arvense (Gill, 1995).

Os herbicidas matam mais que as ervas daninhas
As empresas biotecnológicas sustentam que o bromoxynil e o glifosato se degradam rapidamente no solo quando aplicados corretamente, não se acumulam nas águas subterrâneas, não têm efeito sobre outros organismos e não deixam resíduos nos alimentos. Entretanto, existem evidências de que o bromoxynil causa defeitos congênitos em animais, é tóxico para os peixes e pode causar câncer em seres humanos (Goldberg, 1992). Devido ao fato de que o bromoxynil pode ser absorvido através da pele e porque causa defeitos congênitos em roedores, é provável que seja perigoso para os agricultores e trabalhadores do campo. Assim mesmo, há evidências de que o glifosato é tóxico para algumas espécies que habitam o solo, incluindo predadores como aranhas, besouros e coccinelídeos e para outros que se alimentam de detritos como as minhocas, assim como para organismos aquáticos, inclusive peixes (Paoletti e Pimentel, 1996). Sabe-se que este herbicida se acumula em frutas e em tubérculos porque sofre relativamente pouca degradação metabólica nas plantas, razão pela qual surgem perguntas sobre sua inocuidade, especialmente agora quando se usam, anualmente, somente nos Estados Unidos, mais de 16,78 milhões de kg deste herbicida. Além disso, as pesquisas demonstram que o glifosato tende a agir de uma forma parecida a dos antibióticos, alterando de maneira ainda desconhecida a biologia do solo e causando efeitos tais como: reduzir a habilidade da soja e do trevo para fixar nitrogênio; tornar as plantas de feijão mais vulneráveis a enfermidades; reduzir o crescimento das micorrizas que vivem no solo, fungos chaves para ajudar as plantas a extrair o fósforo do solo.

Criação de “super-ervas daninhas”
Ainda que haja certa preocupação pelo fato de que os cultivos transgênicos por si próprios possam converter-se em ervas daninhas, o principal risco ecológico é que a implantação em grande escala dos cultivos transgênicos promova a transferência de transgenes destes cultivos para outras plantas, as quais poderiam transformar-se em ervas daninhas (Darmency, 1994). Os transgenes que conferem vantagens biológicas significativas podem transformar plantas silvestres em novas ou piores ervas daninhas (Rissler e Mello, 1996). O processo biológico que nos preocupa é a introgressão-hibridação entre espécies de plantas diferentes mas aparentadas. A evidência destaca que tais intercâmbios genéticos já se realizam entre plantas silvestres, ervas daninhas e espécies cultivadas. A incidência de Sorghum bicolor, uma erva daninha aparentada com o sorgo e o fluxo genético entre o milho e o teosinto demonstram o potencial de que os parentes das culturas possam converter-se em ervas daninhas perigosas. Isto é preocupante dada a quantidade de culturas que crescem nas proximidades de seus parentes silvestres sexualmente compatíveis, nos Estados Unidos (Lutman, 1999). Deve-se ter extremo cuidado nos sistemas agrícolas que se caracterizam pela polinização cruzada como a aveia, a cevada, os girassóis e seus parentes silvestres, e entre o raps e outras crucíferas relacionadas (Snow e Moran, 1997).

Na Europa existe uma grande preocupação sobre a possível transferência de pólen de genes tolerantes aos herbicidas das sementes oleaginosas de Brassica para as espécies Brassica nigra e Sinapsis arvensis (Casper e Landsmann, 1992). Alguns cultivos crescem perto de plantas silvestres que não são seus parentes próximos, mas que podem ter certo grau de compatibilidade cruzada, como os cruzamentos de Raphanus raphanistrum x R. sativus (rabanetes) e o sorgo alepo x o milho-sorgo (Radosevich et al., 1996). Repercussões em cascatas destas transferências podem, em última instância, significar mudanças na estrutura das comunidades vegetais. Os intercâmbios genéticos constituem uma grande ameaça aos centros de diversidade, porque nos sistemas agrícolas biodiversos é muito alta a probabilidade de que os cultivos transgênicos encontrem parentes silvestres sexualmente compatíveis.

A transferência de genes dos cultivos transgênicos a cultivos orgânicos representa um problema específico para os agricultores orgânicos: a certificação orgânica está baseada na garantia de que os produtos orgânicos não tenham transgenes inseridos. Alguns cultivos que podem cruzar-se com outras espécies, como o milho ou raps poderão ser afetados em maior grau, mas todos os agricultores que desenvolvem agricultura orgânica correm o risco de contaminação genética. Não existem normas que obriguem a um mínimo de separação entre os campos de cultivos transgênicos e de cultivos orgânicos (Royal Society, 1998).

Concluindo, o fato de que a hibridação e a introgressão interespecíficas seja algo comum em espécies como o girassol, o milho, o sorgo, o raps, o arroz, o trigo e a batata, oferece uma base para antecipar fluxos genéticos entre os cultivos transgênicos e seus parentes silvestres, que podem dar lugar a novos inços resistentes aos herbicidas (Lutman, 1999). Existe consenso entre os cientistas de que os cultivos transgênicos, em algum momento, permitirão os escapes dos transgenes para as populações de seus parentes silvestres. O desacordo entre eles está em quão sério será o impacto de tais transferências (Snow e Moran, 1997).

Riscos ambientais dos cultivos resistentes a insetos (Cultivos Bt)

Resistência
Segundo a indústria biotecnológica, a promessa é de que os cultivos transgênicos implantados com genes Bt substituiriam os inseticidas sintéticos que se usam para controlar insetos-praga. Mas isto não está muito claro uma vez que a maior parte dos cultivos são atacados por diversas pragas e as pragas que não pertencem à ordem Lepidóptera terão que ser combatidas com inseticidas porque não são susceptíveis à toxina Bt expressada no cultivo (Gould, 1994). Um recente relatório (USDA, 1999) que analisa o uso de pesticidas na safra agrícola de 1997 nos Estados Unidos, em 12 combinações de regiões e cultivos, demonstrou que em 7 localidades não houve diferença estatística no uso de pesticidas entre cultivos com Bt e cultivos convencionais sem Bt. No delta do Mississipi, foi usada uma quantidade significativamente maior de pesticidas em algodão Bt do que nas lavouras de algodão sem Bt.

Por outro lado, sabe-se que espécies de lepidópteros desenvolveram resistência à toxina Bt tanto em experiências de campo como em laboratório, o que sugere a possibilidade de aparição de importantes problemas de resistência nos cultivos Bt, através dos quais a contínua expressão da toxina, cria uma forte pressão de seleção (Tabashnik, 1994). Nenhum entomólogo sério pode questionar se a resistência se desenvolverá ou não. A pergunta é: com que rapidez isto acontecerá? Os cientistas já detectaram o desenvolvimento de “resistência de comportamento” em alguns insetos que aproveitam a expressão irregular da potência da toxina nas folhas do cultivo, atacando somente as partes com baixa concentração de toxina. Além disso, uma vez que as toxinas implantadas por meios genéticos com freqüência diminuem nos tecidos de folhas e talos conforme o cultivo amadurece, uma baixa dose somente pode matar ou debilitar completamente as larvas suscetíveis (homozigotas). Em conseqüência, pode acontecer uma adaptação muito mais rápida à toxina Bt se a concentração permanecer sempre alta. A observação das plantas de milho transgênico a finais de outubro indicaram que a maioria das brocas européias do milho que sobreviveram, haviam entrado em dormência, preparando-se para emergir como adultos na seguinte primavera (Onstad e Gould, 1998).

Para retardar o inevitável desenvolvimento de resistência dos insetos aos cultivos Bt, os bioengenheiros estão preparando planos de manejo de resistência que consistem em mosaicos de parcelas transgênicas e não transgênicas (denominadas refúgios) para retardar a evolução da resistência, proporcionando populações de insetos suscetíveis que possam ser cruzados com os insetos resistentes. Ainda que estes refúgios devam ter um tamanho de pelo menos 30% da área cultivada, o novo plano da Monsanto recomenda refúgios de apenas 20% inclusive quando sejam utilizados inseticidas. Adicionalmente, o plano não oferece detalhes sobre se os cultivos serão plantados junto com os cultivos transgênicos ou a certa distancia, aonde, segundo os estudos, são menos efetivos (Mallet e Porter, 1992). Além disso, devido a que os refúgios requerem o difícil objetivo da coordenação regional com os agricultores, não é realista pensar que os pequenos e médios agricultores dediquem 30 a 40 por cento de sua área de cultivo para refúgios, especialmente se os cultivos nestas áreas vão sofrer fortes danos causados por pragas.

Os agricultores que enfrentam os maiores riscos de desenvolvimento de resistência dos insetos ao Bt são os agricultores orgânicos da vizinhança, os quais plantam milho e soja sem agroquímicos. Uma vez que a resistência aparece em uma população de insetos, os agricultores orgânicos não poderão usar Bacillus thuringiensis na forma de inseticida microbiano para o controle de pragas de lepidópteros que se transladam dos campos transgênicos vizinhos. Além disso, a contaminação genética dos cultivos orgânicos, resultado do fluxo de genes (pólen) dos cultivos transgênicos pode comprometer a certificação dos cultivos orgânicos e os agricultores podem perder seus mercados. Quem compensará os agricultores orgânicos por tais perdas?

Sabemos pela história da agricultura, que as enfermidades das plantas, as pragas de insetos e as ervas daninhas se tornam mais severas com o desenvolvimento de monoculturas e que os cultivos geneticamente modificados de manejo intensivo logo perdem a diversidade genética (Altieri, 1994; Robinson, 1996). Baseados nestes fatos, não há razão para acreditar que a resistência aos cultivos transgênicos não evolucionará entre os insetos e patógenos como ocorreu com os pesticidas. Não importa que estratégia de manejo da resistência se use, as pragas se adaptarão e superarão as limitações agronômicas (Green,1990). Os estudos de resistência aos pesticidas demonstram que pode aparecer uma seleção não intencional e resultar em problemas de pragas maiores que os que existiam do desenvolvimento de novos inseticidas. As doenças e pragas sempre foram ampliadas pelas mudanças rumo a uma agricultura geneticamente homogênea, precisamente o tipo de sistema que a biotecnologia promove (Robinson, 1996).

Efeitos sobre espécies benéficas
Mantendo as populações de pragas a níveis muito baixos, os cultivos Bt poderiam potencialmente deixar morrer de fome os inimigos naturais, porque os predadores e vespas parasitas que se alimentam das pragas necessitam uma pequena quantidade de presas para sobreviver no agroecossistema. Entre os inimigos naturais que vivem exclusivamente dos insetos que os cultivos transgênicos estão desenhados para destruir (Lepdóptera), os parasitóides de ovos e de larvas seriam os mais afetados porque são totalmente dependentes de hospedeiros vivos para o seu desenvolvimento e sobrevivência. Alguns predadores poderiam teoricamente prosperar em organismos mortos (Schuler et al., 1999).

Os inimigos naturais poderiam se ver afetados diretamente por efeito dos níveis intertróficos da toxina. A possibilidade de que as toxinas Bt se movimentem através da cadeia alimentar dos insetos apresenta serias conseqüências para o biocontrole natural em campos de agricultores. Evidencias recentes mostram que a toxina Bt pode afetar os insetos benéficos, predadores que se alimentam das pragas de insetos presentes em cultivos Bt (Hilbeck,1998). Estudos realizados na Suíça mostram que a media da mortalidade total de larvas do Crisopas predadoras (Chrysopidae) criado em presas alimentadas com Bt foi de 62 por cento, comparada com 37 por cento quando se alimentavam de presas livres de Bt. Estas espécies de Chrysopidae alimentadas com Bt também mostraram um tempo mais prolongado de desenvolvimento ao longo do seu estado de vida imatura (Hilbeck, 1998).

Estas descobertas são preocupantes, especialmente para os pequenos agricultores que confiam no rico complexo de predadores e parasitas, associados com seus sistemas de cultivo misto, para o controle das pragas de insetos (Altieri, 1994). Os efeitos em nível intertrófico da toxina Bt trazem a baila serias possibilidades de causar rupturas no controle natural de pragas. Os predadores polífagos que se movimentam dentro e entre cultivos mistos encontrarão presas que contém Bt durante toda a temporada (Hilbeck, 1999). A ruptura dos mecanismos de biocontrole pode dar como resultado um aumento das perdas do cultivo devido a pragas ou provocar um uso mais intensivo de pesticidas, com conseqüências para a saúde e riscos para o meio ambiente.

Também se sabe que o pólen transportado pelo vento desde os cultivos Bt que se deposita na vegetação natural que rodeia os campos transgênicos pode matar outras espécies de insetos. Um estudo da Universidade de Cornell (Losey et al., 1999) demonstrou que o pólen de milho que contém a toxina Bt pode ser transportado a vários metros pelo vento e depositar-se em folhagens da planta Asclepias com efeitos potencialmente danosos sobre as populações da mariposa monarca. Estas descobertas abrem toda uma nova dimensão sobre o tema dos impactos inesperados dos cultivos transgênicos sobre outros organismos que desempenham papéis-chave, mas muitas vezes desconhecidos, no ecossistema.

Porém, os efeitos ambientais não se limitem aos cultivos e aos insetos. As toxinas Bt podem ser incorporadas no solo junto com resíduos de folhas no momento em que os agricultores aram a terra com os restos dos cultivos transgênicos, logo após a colheita. As toxinas podem persistir por dois ou três meses, porque resistem à degradação quando unidas à argila e aos ácidos húmicos presentes no solo, de forma que mantém sua atividade tóxica (Palm et al., 1996). Tais toxinas Bt ativas que se acumulam no solo e na água, junto com os resíduos de folhas transgênicas, podem causar impactos negativos sobre o solo e sobre os invertebrados aquáticos, assim como sobre a reciclagem de nutrientes (Donnegan e Seidler, 1999).

O fato do Bt reter suas propriedades inseticidas e se encontrar protegido da degradação microbiana ao se unir as partículas do solo, persistindo em vários tipos de solos pelo menos 234 dias, é uma seria preocupação para os agricultores pobres, os quais não podem comprar os caros fertilizantes químicos. Ao contrário, estes agricultores usam os resíduos locais, a matéria orgânica e os microorganismos do solo para melhorar a fertilidade (espécies-chave, invertebrados, fungos ou bactérias) que podem se ver afetados negativamente pela toxina ligada ao solo (Saxena et al., 1999).

Em defesa da adoção do principio da precaução
Os efeitos ecológicos dos cultivos obtidos via engenharia genética não se limitam à resistência das pragas ou à criação de novas ervas daninhas ou raças de vírus. Como discutimos aqui, os cultivos transgênicos podem produzir toxinas ambientais que se movimentam através da cadeia alimentar e que podem chegar até o solo e a água afetando assim aos invertebrados e, provavelmente, alterando os processos ecológicos como o ciclo dos nutrientes. E mais, a homogeneização em grande escala das áreas com cultivos transgênicos exacerbará a vulnerabilidade ecológica associada com a agricultura baseada em monocultivos (Altieri, 2000). Não é aconselhável a expansão desta tecnologia aos países em desenvolvimento. Há um potencial na diversidade agrícola de muitos destes países que não deveria ser inibido ou reduzido pelo monocultivo extensivo, especialmente se isto pode ocasionar sérios problemas sociais e ambientais (Thrupp, 1998).

Apesar destas considerações, os cultivos transgênicos ingressaram rapidamente nos mercados internacionais e se localizaram de forma massiva nas lavouras dos Estados Unidos, Canadá, Argentina, China e outros países, alcançando mais de 40 milhões de hectares. É lamentável que somente agora, depois de 4 anos de comercialização massiva de produtos transgênicos, o ex-secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Dan Glickman, tenha solicitado estudos para avaliar os efeitos a longo prazo, tanto ecológicos como sobre a saúde, que possam causar os transgênicos. Esta iniciativa é tardia, já que a liberação ecológica de genes não é recuperável e seus efeitos são irreversíveis.

O rápido lançamento dos cultivos transgênicos e a conseqüente desorganização financeira (os preços das ações das empresas de biotecnologia estão caindo) é uma reminiscência perturbadora dos prévios incidentes com a energia nuclear e os pesticidas clorados com o DDT. Uma combinação de oposição pública e obrigações financeiras forçou a paralisação destas tecnologias logo que seus efeitos sobre o meio ambiente e a saúde humana demonstraram que eram muito mais complexos, difusos e persistentes que as promessas que acompanharam a sua rápida comercialização.

No contexto das negociações durante a Convenção de Diversidade Biológica (CBD, em inglês) no ano passado, 130 países demonstraram sabedoria ao adotar o principio de precaução, assinando um acordo global que determina o controle do comércio dos organismos geneticamente modificados (OGM). Este princípio que é a base para um acordo internacional sobre biosegurança (International Biosafety Protocol) sustenta que quando se suspeita que uma tecnologia nova pode causar dano, a incerteza científica sobre o alcance e a severidade da tecnologia não deve obstaculizar a tomada de precauções. Isto dá o direito aos países a se oporem à importação de produtos transgênicos sobre os quais há suspeitas mínimas de que representem um perigo para a saúde ou para o meio ambiente. Infelizmente, um bloco de países exportadores de grãos, encabeçados pelos EUA, se opõem a este acordo internacional argumentando que os produtos agrícolas devem eximir-se de tais regulamentações por atentar contra o livre comércio. O principio da precaução estabelece que os produtores destas tecnologias é que deverão apresentar evidências de que elas são inócuas e não mais como dizem as empresas, que caberia aos seus críticos o ônus de provar os possíveis danos das mesmas. Existe uma clara necessidade de provas independentes e monitoramento para assegurar que os dados auto-gerados, apresentados às agências reguladoras governamentais, pelas próprias empresas, não são parciais ou inclinados aos interesses da indústria. Além disso, se deveria propiciar um monitoramento mundial contra os OGM até que as interrogações lançadas, tanto por cientistas de renome –que estão fazendo investigações sérias sobre o impacto ecológico e sobre a saúde dos cultivos transgênicos– como pelo público em geral, sejam esclarecidas por grupos de cientistas independentes.

Muitos grupos ambientalistas e de consumidores que defendem a necessidade de uma agricultura mais sustentável demandam o apoio contínuo da pesquisa agrícola com base ecológica, já que existem soluções agroecológicas para todos os problemas biológicos que a tecnologia quer resolver. O problema é que a investigação nas instituições públicas tem como reflexo, cada vez mais, os interesse de grupos privados, deixando de lado a parte boa da pesquisa pública como o controle biológico, os sistemas orgânicos e as técnicas agroecológicas em geral (Busch, 1990). A sociedade civil deve exigir mais pesquisas públicas sobre alternativas à biotecnologia, a serem desenvolvidas por universidades e outras organizações públicas. Há também uma urgente necessidade de resistir ao sistema de patentes e aos direitos de propriedade intelectual presentes nas normas da OMC – Organização Mundial do Comércio, que não só permitem às organizações multinacionais o direito de se apropriar e patentear recursos genéticos como também acentuam a velocidade segundo a qual as forças do mercado estimulam o monocultivo com variedades transgênicas geneticamente uniformes.

BIBLIOGRAFIA

ALTIERI, M.A. Biodiversity and pest management in Agroecosystems. New York: Haworth Press, 1994.

ALTIERI, M.A. Agroecology: the science of sustainable agriculture. Boulder: Westview Press, 1996.

ALTIERI, M.A. The ecological impacts of transgenic crops on agroecosystem health. Ecosystem Health, v.6, p.13-23, 2000.

DONNEGAN, K.K.; SEIDLER, R. Effects of transgenic plants on soil and plant microorganisms. Recent Research Developments in Microbiology, v. 3, p.415-424, 1999.

DUFFY, M. Does planting GMO seed boost farmersÆ profits? Leopold Center for Sustainable Agriculture Letter, v. 11, n.3, p.1-5, 1999.

DUKE, S.O. Herbicide resistant crops: agricultural, environmental, economic, regulatory, and technical aspects. Boca Raton, LA: Lewis Publishers, 1996. p. 420

FOWLER, C.; MOONEY, P. Shattering: food, politics, and the loss of genetic diversity. Tucson: University of Arizona Press, 1990.

KLOPPENBURG, J. First the seed: the political economy of plant technology. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 1492-2000.

KRIMSKY, S.; WRUBEL, R.P. Agricultural Biotechnology and the environment: science, policy and social issues. Urbana, IL: University of Illinois Press, 1996.

LAMPKIN, N. Organic farming. Ipswich, NY: Farming Press, 1990.

PALM, C.J.; SCHALLER, D.L.; DONEGAN,K.K.; SEIDLER, R.J. Persistence in soil of transgenic plant produced Bacillus thuringiensis var. Kustaki endotoxin. Canadian Journal of Microbiology, v. 42, p. 1258-1262, 1996.

PAOLETTI, M.G.; PIMENTEL, D. Genetic engineering in agriculture and the environment: assessing risks and benefits. BioScience, v. 46, p. 665-671, 1996.

PERSLEY, G.J.; LANTIN, M.M. Agricultural Biotechnology and the poor. Washington DC: Consultative Group on International Agricultural Research, 2000.

THRUPP, L.A. cultivating biodiversity: agrobiodiversity for food security. Washington DC: World Resources Institute, 1998.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. Genetically engineered crops for pest management. Washington DC: USDA Economic Research Service, 1999.

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem