História do Direito Ambiental Brasileiro

História do Direito Ambiental Brasileiro

História do Direito Ambiental Brasileiro
Dr.ª Eglée dos Santos Corrêa da Silva *
Em nosso país, existe uma legislação protecionista ambiental desde o século XVI, totalmente desconhecida e ineficaz, advinda do pioneirismo da legislação portuguesa, extremamente avançada para a época – século  XIV.
I.  Evolução Histórica da Legislação Ambiental:
Do descobrimento do Brasil até a proclamação da república -
Segundo o Desembargador José Gomes Bezerra Câmara, “a ordem jurídica, com seus postulados, é um resultado de fatores históricos, nem sempre relevantes na sua aparência, conquanto essenciais no seu desenvolvimento sucessivo.”

É necessário compreendermos e analisarmos a história e normas jurídicas portuguesas, pois que a este país estivemos subordinados jurídica, política e economicamente, de forma quase ininterrupta, até o início do século XIX.

A legislação portuguesa em vigor na primeira década do descobrimento do Brasil eram as Ordenações Afonsinas – primeiro Código legal europeu, cujo trabalho de compilação foi concluído em 1446 – homenagem ao rei que ocupava o trono português, D. Afonso V.   Suas fontes básicas foram o Direito Romano e o Direito Canônico, além de leis promulgadas desde D. Afonso II e determinações e resoluções das Cortes celebradas a partir de D. Afonso IV, reunindo, também, as concordatas dos reis antecessores – D. Diniz, D. Pedro e D. João.

A preocupação Real com a proteção das riquezas florestais estava motivada pela necessidade premente do emprego das madeiras para o impulso da almejada expansão ultramarina portuguesa. O corte deliberado das árvores frutíferas – considerado  como ato de crime de injúria ao rei, tamanha a preocupação ambiental –  foi proibido pela Ordenação do rei D. Afonso IV, em 12/03/1393.

A preocupação com os animais e aves era ainda mais antiga, tendo originado uma previsão pelo rei D. Diniz em 09/11/1326, na qual equiparava o furto de aves – para efeito criminal – a qualquer outra espécie de furto. Saliente-se o caráter precursor dessa norma legal, em termos de responsabilidade civil, que previa o pagamento de um quantum pelo infrator, a fim  de reparar, materialmente, o proprietário pela perda do animal, a ponto de se terem valores distintos para as aves, tais como o gavião e o falcão.

Em 26/06/1375, no reinado de D. Fernando I, foram criadas as sesmarias (do latim caesina è corte incisão; sesma ou sesmo è a sexta parte de qualquer coisa), haja vista os graves problemas de falta de gêneros alimentícios em Portugal, tornando-se, por esse motivo, proibitivos às classes menos favorecidas, visando a incrementar o cultivo de um maior número de terras.

Em 13/07/1311, D. Afonso III determinava que o pão e a farinha não poderiam ser transportados para fora do reino. Em meio ao déficit  alimentício de Portugal, e sua política expansionista ultramarina, é que  a terra do Brasil foi descoberta.

Brasil Colônia
Ä      Manutenção das Ordenações Afonsinas.
Ä      Inserção das Ordenações Manuelinas – término da compilação em 1514; revisão e ampliação findas em 11/03/1521.
Ä      Preocupação com a terra, não somente relacionada à agricultura, mas também, ao repovoamento. Evolução para o sistema das capitanias hereditárias.
Ä      Proibição da caça aos coelhos, respeitando-se o período de cria.
Ä      Reiteração da proibição do transporte de farinha e pão.
Ä      Proteção às abelhas, coibindo quem não houvesse preservado sua vida.
Ä      Tipificação do corte de árvores frutíferas como crime, dando início à reparação do dano ecológico, pois eram atribuídos valores às árvores; quanto mais valiosa, mais severa a pena.

Regime das Capitanias Hereditárias -
Em 1530, os portugueses, diante dos constantes ataques franceses, interessados em contrabandear a madeira, enviou à terra nova a expedição de Martim Afonso de Souza, que vai distribuir as terras conforme legislação das sesmarias, com os seguintes aspectos ambientais:
1. O capitão tinha o direito de doar sesmarias, e o donatário, em contrapartida, era obrigado a cultivar as terras doadas pelo prazo de cinco anos, com o fito de povoar as terras virgens.
2. Poder quase absoluto dos donatários das terras sob seu domínio, inclusive poder de vida e morte sobre os colonos, exceto se o acusado tivesse condição nobre, pois caberia recurso à Lisboa – parcialidade da justiça.
3. O capitão donatário tinha direito a um percentual certo e determinado, sobre qualquer atividade desempenhada pelo colono.
O Brasil-Colônia foi considerado como local para cumprimento de pena de degredado  permanente. Até pelo corte de árvores de fruto, quando o seu valor fosse superior a 30 cruzados, o autor era degredado para o Brasil.

Instituição do Governo Geral -
Em 1548, D. João III implantou um novo sistema denominado Governo Geral, com o principal propósito de centralizar o poder em nome da Coroa Portuguesa, para evitar os descaminhos do pau-brasil, além de criar mecanismos para conter os crescentes ataques ingleses na Amazônia, e dos franceses no Maranhão.

Surge, nessa fase, legislação especial através de cartas régias, alvarás, provisões; o primeiro destes é outorgado a Thomé de Souza em 17/12/1548, que em seu capítulo 35, reafirma o regime do monopólio do pau-brasil, cuja extração deveria ser feita “com o menor prejuízo da terra.”

Em 1580, o Brasil passa para o domínio espanhol sob Felipe II, que se preocupa muito com nossas riquezas naturais. A essa época, Pero Magalhães de Gândavo descreve condição climática no Brasil, hoje completamente alterada – seis meses de verão de setembro a fevereiro e seis meses de inverno de março a agosto – e Gabriel Soares de Souza descreve as riquezas naturais das terras brasileiras. Concomitante a isso, uma grande devastação assola as florestas de Portugal, levando D. Felipe II, em 09/06/1594, a expedir carta de regimento contendo verdadeiro zoneamento ambiental, delimitando áreas de matas.

Regimento sobre o Pau-Brasil-
Em 12/12/1605, foi criada a primeira lei protecionista florestal brasileira – Regimento sobre o Pau-Brasil  – o qual proibia, entre outras coisas, o corte do mesmo, sem expressa licença  real, aplicando penas severas aos infratores e realizando investigações nos solicitantes das licenças. Este Regimento foi inserido no Regimento da Relação e Casa do Brazil em março de 1609, que  foi o primeiro Tribunal brasileiro instalado na cidade de Salvador, com jurisdição em toda a colônia.

Neste sentido, salientamos a legislação florestal de 08/05/1773, na qual D. Maria I ordena ao Vice-Rei do Estado do  Brasil, cuidado especial com as madeiras cortadas nas matas e arvoredos, especialmente naquelas que tivessem árvores de pau-brasil.

Século XIX – A História e a Legislação Ambiental até 1822 -
Ä      D. Maria I e seu filho, o Príncipe Regente João, chegam primeiro à Bahia, com mais de quinze mil pessoas, devidamente protegidos por barcos ingleses, em face da invasão das tropas francesas em Portugal. Em 07/03/1808, instalam-se no Rio de Janeiro.
Ä      O então economista José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, sugeriu a abertura dos portos às Nações Amigas, o que ocorreu em 28/01/1808.
Ä      D. Maria I e seu filho, o Príncipe Regente, deram  um valioso apoio e estímulo à cultura, às artes e à ciência, na colônia brasileira. Nessa época foram fundadas a Biblioteca Real (base da atual Biblioteca Nacional) e a Academia Imperial de Belas Artes, que originou a Escola Nacional de Belas Artes.
Ä      Em 13/06/1808, por decreto de D. João VI, foi instalado no Rio de Janeiro, o Jardim Botânico.
Ä      Em 1809, D. João VI planta mudas de palmeiras de Palma-Mater, as quais serviram para futuras mudas que foram plantadas nas aléias principais,  em 1842.
Ä      Em 06/06/1818, através do Decreto nº 06, D. João VI cria o Museu Real. Mais tarde, durante o Império, passou a ser chamado de Museu Imperial. Nesse período, o paisagista Glaziou, realizou entre os anos de 1866 a 1876, o trabalho de embelezamento do Parque da Quinta da Boa Vista. A partir da Proclamação da República, passou a chamar-se Museu Nacional.
II – Evolução da Legislação Ambiental após a República
Ä      Pela Constituição Republicana Brasileira de 1891, apenas um artigo, o de nº 34, inciso 29, tratava de alguma coisa relacionada à questão ambiental, que atribuía à União a competência para legislar sobre as suas minas e terras.
Ä      O Código Civil promulgado em 1º de janeiro de 1916, durante o governo do Presidente Wenceslau Braz Pereira Gomes, dispunha, em seu artigo 1807, a revogação das Ordenações, alvarás, leis , decretos, resoluções, usos e costumes, concernentes às matérias de direito civil nele reguladas; também não tratava de forma expressiva acerca das questões ambientais. Porém, os artigos 554 e 555, na seção relativa aos Direitos de Vizinhança, reprime o uso nocivo da propriedade.
Ä      Movimento da Semana da Arte Moderna em 1922, na qual se preconizava uma nova linguagem nacional, através da música, da pintura e da literatura.
Ä      Em 31/12/1923, o Decreto nº 16.300 dispunha acerca da saúde e saneamento, visando a um controle da poluição, proibindo instalações de indústrias nocivas próximas a residências.
Ä      A Constituição de 1934 passa a conter dispositivos relacionados às questões  ambientais.
Ä      A Constituição de 05/10/1988 traz, especificamente, no Capítulo VI , artigo 225 , matéria relacionada, tão-somente, ao Meio Ambiente.
Dano ambiental
Atualmente, a preocupação com o meio ambiente não está mais restrita ao âmbito das Ciências Naturais. O progresso leva ao desenvolvimento de todas as áreas – financeira, política, econômica, cultural, educacional  etc. – contudo, junto a toda esta gama “positiva” de subsídios dentro de uma sociedade, há o desenfreado e avassalador  “tudo em nome do progresso”, que vem gerando graves problemas no que concerne ao real entendimento de que crescimento econômico exclui qualidade de vida ambiental.

Hoje, fala-se em ecodesenvolvimento ou em desenvolvimento sustentado, para sintetizar a relação necessária entre meio ambiente e economia, referindo-se à complementaridade potencial entre crescimento e meio ambiente, ou seja, para que o primeiro ocorra, não tem de se excluir o segundo. Esta sim, é uma visão desenvolvida e de grande valor para o ecossistema.

O entendimento de desenvolvimento sustentado advém da Conferência das Nações Unidas realizada em Estocolmo no ano de 1972. Conhecer este instituto implica que todos os profissionais do Direito, especialmente os membros do Ministério Público, ao lado dos demais legitimados, têm o poder-dever de ajuizar ação civil pública na defesa do ambiente natural e cultural. Tal abordagem envolve um  interesse supra-individual, um interesse difuso, já que a conservação dos recursos naturais interessa a todos nós, afetados, direta ou indiretamente, pela degradação ambiental.

Para que uma diferenciação plena seja feita entre dano ambiental e qualquer outro dano, há a necessidade de se salientar que no primeiro, não existe prazo prescricional, haja vista a prescrição destinar-se à pessoa individualizada pela sua inércia na falta de exercício de seu direito e, como o interesse relacionado ao meio ambiente é difuso, este será indeterminado em relação ao sujeito (in Cidadania Coletiva – José Alcebíades de Oliveira Júnior e  José Rubens Morato Leite – Paralelo 27).

Reparação  do Dano Ambiental -
Existem duas formas de reparação referentes ao dano ambiental:
1.       recuperação do dano ( reconstituição do bem lesado);
2.       indenização em dinheiro.
A recuperação do dano pela reconstituição do bem lesado deveria  ser  imposta  de  forma  coercitiva, assim como o é na indenização em dinheiro a uma pessoa, a um grupo distinto ou até mesmo a uma comunidade. A reconstituição do bem lesado deveria fazer parte de forma cumulativa à indenização, perfazendo um só ato: a proteção total do meio ambiente. Mesmo que se apure que, em alguns casos, a reversão seja quase impossível, a viabilidade e a possibilidade somente deveriam ser descartadas por técnicos especializados após estudo específico do dano causado. Pensar que, tão-somente por meio de multas pecuniárias, indenizações assombrosas irão “proteger” o meio ambiente, é, na verdade, uma interpretação incorreta.
Possuímos, em nossa atual legislação, vários instrumentos relacionados à defesa do meio ambiente, para que o agente causador do dano não fique sem a sua punição, destacando-se entre eles:
1.       mandado de segurança coletivo è artigo 5º , inciso LXX, CRFB;
2.       tutela cautelar è mediante ação cautelar, prevista no artigo 4º da Lei 7.347/85 ou medida liminar, prevista no artigo 12 da Lei 7.347/85;
3.       ação Popular è Lei 4.717/65 e artigo 5º , inciso LXXIII, CRFB;
4.       ação Civil Pública è Lei 7.347/85 (base advinda das class actions, que por sua vez remontam ao instituto inglês denominado bill of peace .
Ressalte-se que, dentro de todo esse arcabouço instrumental jurídico de amparo à proteção ambiental, mister se faz salientar que, mesmo com todos esses mecanismos, que atualmente incidem nas multas pela infração às leis e nas indenizações à pessoa individualizada ou grupo(s) diretamente ou indiretamente afetados, a proteção ambiental mais alicerçada somente terá ingerência, de forma mais ampla, quando dispositivos outros forem colocados em prática, como por exemplo:
1.       Conscientização, de forma educacional, da criança sobre seu lugar no mundo, quão importante é a natureza, como se podem evitar danos ao ambiente; tudo de forma simples, para um verdadeiro embasamento, no que se refere à importância do ecossistema, do futuro cidadão.
2.       Campanhas de combate à destruição de matas, à poluição de rios, mares, lagos e lagoas.
3.       Sistema cumulativo das penas: multa e/ou indenização, e a efetiva reparação do meio ambiente.
A sociedade não mais poderá permitir o que ocorreu no passado, em que, mesmo sendo detentor de uma precária legislação ambiental, se consentiu, direta ou indiretamente, de maneira consciente ou não, que uma espécie de nossa flora, simplesmente, fosse devastada, como é o caso de nosso pau-brasil, que, de tão abundante, deu o seu nome a nosso país.

É preciso que a atuação seja sempre em conjunto. Campo jurídico, campo social, campo educacional, enfim, todos devem agir, de forma única, no que diz respeito à proteção ambiental, cada um com seu instrumento, para que se possa, de forma eficaz, rechaçar o comprometimento de uma vida saudável e plena. E, mesmo no campo jurídico, pode-se salientar o trabalho de GUSTAVO TEPEDINO in Justiça e in Segurança:
“Recuperar o senso de punibilidade e da prestação jurisdicional é vital para a organização social e para a restauração de seus valores fundamentais.”
Ratificando-se a assertiva acima, cita-se ANN HELEN WAINER:
“Somente com um Poder Judiciário forte, fazendo cumprir as boas leis existentes sobre a questão ambiental, é que vamos conseguir frear os abusos cometidos contra a natureza.”

Adendo
Somente a título de conhecimento,  saliente-se o tempo que alguns dejetos demoram para se decomporem:
Ä      Cascas de frutas          è        02 anos.
Ä      Pontas de cigarro         è        10 a 20 anos.
Ä      Sacos plásticos            è         30 a 40 anos.
Ä      Latas de alumínio         è         80 a 100 anos.
Ä      Garrafas de vidro          è         1 milhão de anos.
Ä      Garrafas de plástico      è         mais de 1 milhão de anos.


BIBLIOGRAFIA
OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades e MORATO LEITE, José Rubens (org.). Cidadania coletiva. Florianópolis: Paralelo 27/CPGD/UFSC, 1996.
GUERRA, Isabella Franco. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
BENJAMIM, Antonio Hernan (coordenação) et alii. Dano ambiental – realidade brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
WAINER, Ann Helen. Legislação ambiental brasileira: subsídios para a história do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira.  27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001.


* Egressa do curso de Direito da Faculdade Moraes Júnior.  Advogada. Defensora Dativa da Justiça Federal Criminal e do XXIII Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Mestranda em Teoria Geral do Direito

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