Meio Ambiente e Sustentabilidade | O Complexo Desafio da Sustentabilidade
Pedro Jacobi-FE-USP
A problemática da sustentabilidade assume um papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram.O quadro socioambiental que caracteriza as sociedades contemporâneas revela que o impacto dos humanos sobre o meio ambiente está causando impactos cada vez mais complexos, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. O conceito de desenvolvimento sustentável surge para enfrentar a crise ecológica, sendo que pelo menos duas correntes alimentaram este processo. Uma primeira que tem relação com aquelas correntes que desde a economia influenciaram mudanças nas abordagens do desenvolvimento econômico, notadamente a partir dos anos 70. Um exemplo desta linha de pensamento é o trabalho do Clube de Roma publicado sob o título de “Limites do Crescimento”em 1972 , onde se argumenta de forma catástrofista que, para alcançar a estabilidade econômica e ecológica se propõe o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial , mostrando a realidade dos recursos limitados, indicando um forte viés para o controle demográfico.
A segunda está relacionada com a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo, e que se difundiu a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, quando a questão ambiental ganha visibilidade pública. Assim, o que se observa é que a idéia ou enfoque do desenvolvimento sustentável adquire relevância num curto espaço de tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os rumos do desenvolvimento.
Em 1973 Maurice Strong utilizou pela primeira vez o conceito de ecodesenvolvimento para caracterizar uma concepção alternativa de política de desenvolvimento (Brusecke, 1996). Os princípios básicos foram formulados por Ignacy Sachs ( 1993) , tendo como pressuposto a existência de cinco dimensões do ecodesenvolvimento, a saber: 1) a sustentabilidade social, 2) a sustentabilidade econômica, 3) a sustentabilidade ecológica, 4) a sustentabilidade espacial e 5) a sustentabilidade cultural, introduz um importante dimensionamento da sua complexidade. Estes princípios se articulam com teorias de autodeterminação que estavam sendo defendidas pelos países não alinhados desde a década dos 60.
Estas cinco dimensões refletem uma leitura que Sachs faz do desenvolvimento dentro de uma nova proposta, o ecodesenvolvimento, que propõe ações que explicitam a necessidade de tornar compatível a melhoria nos níveis e qualidade de vida com a preservação ambiental. O ecodesenvolvimento se apresentava mais como uma estratégia alternativa à ordem econômica internacional, enfatizando a importância de modelos locais baseados em tecnologias apropriadas, em particular para as zonas rurais, buscando reduzir a dependência técnica e cultural. Os pressupostos do ecodesenvolvimento e outras formulações desenvolvidas nos anos setenta conseguiram introduzir o tema ambiental nos esquemas tradicionais de desenvolvimento econômico prevalecentes na América Latina, e a partir delas avançou-se na adoção de políticas ambientais mais estruturadas e consistentes. Este processo se configura a partir da implementação de análises setoriais e específicas que permitiram introduzir propostas , notadamente relativas ao manejo de recursos. O ecodesenvolvimento surge para dar uma resposta à necessidade de harmonizar os processos ambientais com os sócio-econômicos , maximizando a produção dos ecossistemas para favorecer as necessidades humanas presentes e futuras. O ecodesenvolvimento se apresentava como excessivamente alternativo para que as correlações de forças dentro do sistema dominante lhe permitissem extrapolar princípios aceitáveis desde os níveis locais/microregionais até a escala global, onde atualmente se explicitam atualmente os problemas do meio ambiente, do desenvolvimento e da ordem mundial ( Herrero, 1997). Segundo este autor, provavelmente a maior virtude do ecodesenvolvimento seja de que além da incorporação definitiva dos aspectos ecológicos no plano teórico, enfatiza a necessidade de inverter a tendência autodestrutiva dos processos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza.
Muitos destes esforços foram esvaziados ou perderam impulso durante os anos 80, apesar da crescente atuação do movimento ambientalista, em virtude da centralidade que assume a crise econômica. Entretanto, cabe ressaltar que se no terreno prático o tema foi esvaziado, o mesmo não ocorreu no plano teórico, na medida em que foi desenvolvida vasta produção intelectual e científica, da qual o enfoque do desenvolvimento sustentável é parte componente.
Nas duas décadas subsequentes, o principal determinante para a crescente confluência das duas vertentes –economicista e ambientalista – deveu-se principalmente ao avanço da crise ambiental , por um lado, e ao aprofundamento dos problemas econômicos e sociais para a maioria das nações. Dentre as transformações mundias nestas duas décadas , aquelas vinculadas à degradação ambiental e à crescente desigualdade entre regiões assumem um lugar de destaque que reforçou a importancia de adotar esquemas integradores. Embora ambos processos foram concebidos inicialmente de maneira fragmentada, sem vinculações evidentes, hoje se torna mais explícita a sua articulação dentro da compreensão no plano de uma crise que assume dimensões globais. Articulam-se, portanto, de um lado, os impactos da crise econômica dos anos 80 e a necessidade de repensar os paradigmas existentes; e de outro, o alarme dado pelos fenômenos de aquecimento global e a destruição da camada de ozonio, dentre outros problemas.
Assim, o que se observa é que enquanto se agravavam os problemas sociais e se aprofundava a distancia entre os países pobres e os industrializados, emergiram com mais impacto diversas manifestações da crise ambiental, que se relacionam diretamente com os padrões produtivos e de consumo prevalecentes. Interessa, entretanto, ressaltar que a estrutura do movimento ambiental brasileiro assume uma configuração multissetorial e mais complexa no final da década de 80, demandando atores com práticas centradas na busca de uma alternativa viável de conservação e/ou restauração do meio ambiente degradado. Neste quadro, destacam-se algumas organizações ambientalistas que se capacitam cada vez mais para exercer uma nítida influência sobre as agências estatais de meio ambiente, sobre o poder legislativo, sobre a comunidade científica e o empresariado.
Este contexto gerou condições de maior repercussão para um questionamento do processo em curso que busca articular desenvolvimento e meio ambiente, a partir do momento onde os enfoques dos organismos internacionais passam a internalizar a problemática da preservação e defesa do meio ambiente.
A partir de 1987 com a divulgação do Relatório Brundtlandt também conhecido como “Nosso Futuro Comum”, a idéia do “desenvolvimento sustentável” é retomada, representando um ponto de inflexão no debate sobre os impactos do desenvolvimento. O relatório é o resultado de uma comissão da ONU, e parte de uma abordagem em torno da complexidade das causas que originam os problemas sócioeconômicos e ecológicos da sociedade global. Não só reforça as necessárias relações entre economia, tecnologia, sociedade e política, como chama a atenção para a necessidade do reforço de uma nova postura ética em relação à preservação do meio ambiente, caracterizada pelo desafio de uma responsabilidade tanto entre as gerações quanto entre os integrantes da sociedade dos nossos tempos.
O Relatório Brundtlandt apresenta uma lista de ações a serem tomadas pelos Estados e também define metas a serem realizadas no nível internacional, tendo como agentes as diversas instituições multilaterais. Os resultados neste final de década estão muito aquém das expectativas e decorrem da complexidade de estabelecer e pactuar limites de emissões, proteção de biodiversidade, notadamente pelos países mais desenvolvidos.
No processo que conduziu à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento –a Rio 92 – o enfoque foi adotado como um marco conceitual que presidiu todo o processo de debates, declarações e documentos formulados. Assim a interdependência entre o desenvolvimento sócioeconômico e as transformações no meio ambiente, durante décadas ignorada, entrou tanto no discurso como na agenda de grande parte dos governos do mundo. A Conferência representou um primeiro passo de um longo processo de entendimento entre as nações sobre as medidas concretas visando “reconciliar as atividades econômcas com a necessidade de proteger o planeta e assegurar um futuro sustentável para todos os povos”. O relatório representa o que segundo alguns analistas pode ser denominado de reformismo –otimismo desde a perspectiva de expansão do sistema econômico dominante.
Ë importante ressaltar que apesar das críticas a que tem sido sujeito, o conceito de desenvolvimento sustentável representa um importante avanço , na medida em que a Agenda 21 global, enquanto plano abrangente de ação para o desenvolvimento sustentável no século XXI, que considera a complexa relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente numa variedade de áreas.
A adoção do conceito por organismos internacionais marca a afirmação de uma filosofia do desenvolvimento que a partir de um tripé combina eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica, como premissas da construção de uma sociedade solidária e justa .
As dimensões apontadas pelo conceito de desenvolvimento sustentável contemplam o cálculo econômico, o aspecto biofísico e o componente sociopolítico, enquanto referenciais para a interpretação do mundo e para possibilitar interferências na lógica predatória prevalecente. O fator diferenciador entre ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável, reside a favor deste último quanto à sua dimensão globalizante tanto desde o lado do questionamento dos problemas ambientais, como desde a ótica das reações e soluções que são formuladas pela sociedade.
O desenvolvimento sustentável não se refere especificamente a um problema limitado de adequações ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia ou modelo múltiplo para a sociedade, que deve levar em conta tanto uma viabilidade econômica ecológica. Num sentido abrangente a noção de desenvolvimento sustentável à necessária redefinição das relações sociedade humana –natureza, e portanto a uma mudança substancial do próprio processo civilizatório. Isto se integra plenamente dentro das cinco dimensões enunciadas por Sachs (1993) e introduz o desafio de pensar a passagem do conceito para a ação. Numa reflexão nessa direção, é preciso perceber a existência de um conjunto de restrições tecnológicas, culturais, econômicas e sócioambientais , das quais efetivamente dependem as possibilidades reais de aplicação prática destas premissas. A falta de especificidade e as pretensões totalizadoras tem tornado o conceito de desenvolvimento sustentável , difícil de ser classificado em modelos concretos e operacionais e analiticamente precisos. Porisso, ainda é possivel afirmar que não se constitui num paradigma no sentido clássico do conceito, mas uma orientação ou um enfoque, ou ainda uma perspectiva que abrange princípios normativos.
Frequentemente, observa-se que o conceito de desenvolvimento sustentável como idéia força integradora , apesar do consenso que tem sido construído , e que serve para impulsionar os enfoques integradores entre meio ambiente e desenvolvimento , assim como de forma paralela entre economia e ecologia.
Pode se afirmar que ainda prevalece a transcendência do enfoque sobre o desenvolvimento sustentável radique mais na sua capacidade de idéia força , nas suas repercussões intelectuais e no seu papel articulador de discursos e de práticas atomizadas, em que apesar de seguir fragmentados tem uma matriz única originada na existência de uma crise ambiental, econômica e também social.
O desenvolvimento sustentável somente pode ser entendido como um processo onde, de um lado, as restrições mais relevantes estão relacionadas com a exploração dos recursos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e o marco institucional. De outro, o crescimento deve enfatizar os aspectos qualitativos, notadamente aqueles relacionados com a equidade, o uso de recursos – em particular da energia - , e a geração de resíduos e contaminantes. Além disso, a ênfase no desenvolvimento deve fixar-se na superação dos déficits sociais nas necessidades básicas e na alteração de padrões de consumo, principalmente nos países desenvolvidos para poder manter e aumentar os recursos base, sobretudo os agrícolas, energéticos, bióticos, minerais, ar e água.
A questão que se coloca é como superar as contradições e qual o alcance de propostas alternativas no atual cenário mundial?
O que se observa é que o desequilíbrio acelerado na apropriação e uso dos recursos e do capital ecológico, que sistematicamente favorece o centro dominante do sistema econômico, tem a força potencial de concentrar os problemas do meio ambiente e do desenvolvimento. A estrutura desigual no acesso e distribuição dos recursos do planeta e a influência que exercem as disparidades dos poderes econômicos e políticos, agudizam de forma desproporcional as desigualdades sociais e internacionais e os desajustes ambientais , na medida em que o sistema econômico mundial se aproxima dos limites ecológicos do ecossistema global.
Assim , a idéia de sustentabilidade implica na prevalência da premissa de que é preciso definir uma limitação definida nas possibilidades de crescimento e um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais relevantes e ativos através de práticas educativas e de um processo de diálogo informado, o que reforça um sentimento de co-responsabilização e de constituição de valores éticos. Isto também implica em que uma política de desenvolvimento na direção de uma sociedade sustentável não pode ignorar nem as dimensões culturais, nem as relações de poder existentes e muito menos o reconhecimento das limitações ecológicas, sob pena de apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento.
Atualmente o avanço rumo a uma sociedade sustentável é permeado de obstáculos, na medida em que existe uma restrita consciência na sociedade a respeito das implicações do modelo de desenvolvimento em curso. Pode se afirmar que as causas básicas que provocam atividades ecologicamente predatórias podem ser atribuídas às instituições sociais, aos sistemas de informação e comunicação e aos valores adotados pela sociedade. Isto implica principalmente na necessidade de estimular uma participação mais ativa da sociedade no debate dos seus destinos, como uma forma de estabelecer um conjunto socialmente identificado de problemas , objetivos e soluções. O caminho a ser desenhado passa necessariamente por uma mudança no acesso à informação e por transformações institucionais que garantam accessibilidade e transparência na gestão. Existe um desafio essencial a ser enfrentado, e este está centrado na possibilidade que os sistemas de informações e as instituições sociais se tornem facilitadores de um processo que reforce os argumentos para a construção de uma sociedade sustentável, a partir de premissas centradas no exercício de uma cidadania ativa e a mudança de valores individuais e coletivos. Para tanto é preciso que se criem todas as condições para facilitar o processo, suprindo dados, desenvolvendo e disseminando indicadores e tornando transparentes os procedimentos através de práticas centradas na educação ambiental que possa garantir os meios de criar novos estilos de vida, desenvolver uma consciência ética que questionem o atual modelo de desenvolvimento marcado pelo seu caráter predatório e pelo reforço das desigualdades socioambientais.
A sustentabilidade como novo critério básico e integrador precisa estimular permanentemente as responsabilidades éticas , na medida em que a ênfase nos aspectos extra-econômicos serve para reconsiderar os aspectos relacionados com a equidade , a justiça social e a ética dos seres vivos.
Referências Bibliográficas:
Brusecke, Franz. “Desestruturação e Desenvolvimento”. Ferreira, Leila e Viola, Eduardo (orgs.) Incertezas de Sustentabilidade na globalização. Campinas: Ed. UNICAMP, 1996.
Herrero, Luis. Desarrollo Sostenible e Economia Ecológica. Madrid: Sintesis, 1997.
Jacobi, Pedro (coord.). Pesquisa sobre problemas ambientais e qualidade de vida na cidade de São Paulo. São Paulo: Cedec/SEI, 1994.
Columbia, 1988 (Background paper).
Sachs, Ignacy. Estratégias de Transição para o Século XXI- Desenvolvimento e Meio Ambiente. São Paulo: Studio Nobel/Fundap, 1993.
www.megatimes.com.br
www.klimanaturali.org