Direito Socioambiental e Sustentabilidade

DIREITO SOCIOAMBIENTALDireito Socioambiental e Sustentabilidade

Direito Socioambiental  é reconhecido pela constituição brasileira e trata de questões sociais e ambientais

A Constituição de 1988 constituiu um marco na história do direito brasileiro ao estabelecer um conjunto de direitos sociais e coletivos voltados a garantir, além dos direitos fundamentais a cada cidadão, o bem-estar da Nação. Com este intuito, por exemplo, reconheceu às presentes e futuras gerações de brasileiros o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e passou a exigir que, para ser protegida, toda propriedade cumpra uma função social e ambiental. Ao mesmo tempo, transformou em realidade jurídica o caráter pluriétnico de nosso País, valorizando a nossa diversidade cultural e garantindo a todos os cidadãos o direito de ver este imenso patrimônio cultural protegido. Aos povos indígenas, primeiros habitantes de nosso território, reconheceu o direito à diferença e a necessidade de conferir-se a eles as condições de permanecerem diferentes, se assim o desejarem. Reconheceu ainda direitos territoriais a comunidades remanescentes de quilombos. Pautada pelo princípio de que a razão de ser de toda sociedade humana é promover o bem comum, a Constituição buscou criar e fortalecer práticas democráticas em nosso País, garantindo direitos coletivos aos brasileiros e a alguns segmentos da sociedade, os quais rompem com uma longa tradição de supremacia da propriedade privada e do contrato, institutos até então pouco passíveis de qualquer restrição em nossa legislação.

Com isso, a Constituição estabeleceu as bases de um direito moderno – o Direito Socioambiental, que se caracteriza por um novo paradigma de direitos da cidadania, passando pelos direitos individuais e indo muito além. Não se trata da soma linear dos direitos sociais e ambientais previstos no ordenamento jurídico do País, mas de um outro conjunto resultante da leitura integrada desses direitos, pautada pela tolerância entre os povos e pela busca do desenvolvimento comum e sustentável. O direito socioambiental parte da constatação de que não há razão de ser em conjuntos de direitos isolados e estanques. Não há direito indígena ou de quaisquer outros povos se as florestas e os ambientes do Planeta em geral estiverem totalmente comprometidos; não existe patrimônio cultural sem o respeito à diferença das gentes responsáveis pela diversidade e riqueza culturais; tão pouco adianta proteger o meio ambiente sem considerar o direito das populações que o conformam e são capazes de ajudar a mantê-lo protegido. Em outras palavras, não há biodiversidade sem sociodiversidade, sendo certo também, por outro lado, que a preservação dessa biodiversidade é fundamental para as presentes e futuras gerações. O direito socioambiental reconhece que as questões sociais e ambientais estão intimamente misturadas e as trata nesta dimensão, buscando resolver o presente sem deixar de pensar no futuro, tentando vislumbrar alternativas harmônicas para a preservação e o desenvolvimento, que permitam gerar parâmetros politicamente sustentáveis e bem mais promissores que os atuais em se tratando de solução de conflitos.

O Meio Ambiente e as Futuras Gerações

Um dos maiores avanços do texto constitucional foi reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental do cidadão, considerando-o como bem a ser preservado não só para as presentes gerações como para as futuras. Assim fazendo, estabeleceu-o como direito fundamental também daqueles que ainda nem nasceram e ainda estarão por vir. Para além dos significados a serem explorados pelos juristas, essa norma atribui às gerações presentes – cada um de nós – além de um direito fundamental, uma obrigação, desenhando a dimensão da nossa responsabilidade em garantir um legado de sustentabilidade para a vida no Planeta, que passa por pensar o desenvolvimento de hoje sem perder de vista as consequências para um mundo em que viverão nossos lhos e netos, seus lhos, seus netos e os descendentes daqueles.

Os Direitos Indígenas e o Meio Ambiente

A Constituição de 1988 garantiu o direito dos índios à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além de direitos originários às terras por eles tradicionalmente ocupadas, com usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes. Por direitos originários, quis dizer direitos que antecedem à existência do próprio Estado e que, portanto, são anteriores a qualquer outro.

O texto constitucional define as terras indígenas, listando quatro elementos que deverão ser considerados necessária e simultaneamente: 1) os espaços onde estão as habitações; 2) aqueles utilizados para atividades produtivas, como roças, coleta, caça, pesca etc.; 3) as terras imprescindíveis à preservação do meio ambiente; e 4) aquelas necessárias à reprodução física e cultural do povo indígena em questão. Com isto, a Constituição mescla elementos culturais, ambientais e fundiários visando garantir a efetiva proteção dos povos indígenas. Na verdade, sabe-se que hoje as áreas de maior preservação de florestas na Amazônia são exatamente aquelas situadas no interior das terras indígenas, razão pela qual qualquer estratégia de proteção do meio ambiente e conservação da biodiversidade não pode deixar de levar em consideração essas terras, em benefício do País como um todo.

Como as terras indígenas são também alvo de cobiça para a exploração de seus recursos naturais, tais como madeira e minérios, além da utilização dos recursos hídricos nelas existentes para a construção de hidrelétricas, a Constituição fixou regras para impedir que essa exploração ignore a necessidade de garantir os modos de vida dos povos que ali vivem, como historicamente sempre se viu em nosso País. Decorre daí a necessidade de que leis específicas regulem a exploração por terceiros de tais recursos, além da obrigatoriedade de obtenção de autorização por parte do Congresso Nacional nos casos de mineração e das hidrelétricas.

Vale dizer ainda que o direito ao usufruto exclusivo assegurado aos povos indígenas sobre os recursos naturais existentes em suas terras se faz de acordo com os seus próprios usos, costumes e tradições, observando-se as disposições gerais da legislação brasileira sem que se esqueça da necessidade de respeitar as diferenças culturais existentes. Isto quer dizer que o direito indígena nem pode ser minimizado pelo conteúdo de uma norma que, aplicável em um outro contexto, afastaria por completo o controle dos índios sobre os seus territórios, nem tão pouco pode se pautar pela visão do absoluto, ou de que “para os índios tudo é possível”. Na verdade,este último argumento têm sido falsamente utilizado para gerar uma impressão deturpada de que os índios têm privilégios, colocando-os no centro de uma disputa política que visa, na maior parte das vezes, liberar as suas terras para uma exploração econômica indiscriminada.

Recursos Genéticos e Conhecimento TradicionalRecursos Genéticos e Conhecimento Tradicional

O Brasil é considerado um país de Megadiversidade Biológica, em razão da presença maciça de espécies variadas da ora e da fauna em seus diferentes ecossistemas. Enquanto isso, sabe-se que os povos indígenas e as populações tradicionais (seringueiros, caiçaras, comunidades quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, pequenos agricultores etc.) são, em grande parte, responsáveis pela conservação e pela própria diversidade biológica de nossos ecossistemas, produto da interação e do manejo da natureza em moldes tradicionais. Sabe-se ainda que, através dos tempos, esses povos e populações acumularam um profundo conhecimento sobre os recursos naturais das regiões onde vivem, o que se convencionou chamar de “conhecimentos tradicionais”.

Os recursos da biodiversidade brasileira, assim como os conhecimentos tradicionais a eles associados tornaram-se alvo de intensa preocupação nos últimos tempos, com o avanço da biotecnologia, passando a demandar mecanismos de proteção até então inexistentes. Essa riqueza biológica é de grande interesse para indústrias principal- mente na área de fármacos, cosméticos e alimentos, sendo certo que os conhecimentos tradicionais podem abreviar anos de pesquisas e significar imensa economia de gastos e de trabalho dos grandes laboratórios.

A questão suscita conflitos que extrapolam os limites do País, exigindo que o tema seja regulado tanto no plano nacional como no âmbito do direito internacional. Ao mesmo tempo, gera polêmicas e discussões profundamente técnicas, que vão da necessidade de compreender, por um lado, os mecanismos de direitos coletivos e direitos dos povos, a, por outro, os direitos de propriedade intelectual que condicionam o ritmo do mercado da bioprospecção e o financiamento de pesquisas. Inclui temas como patentes, segredos de indústria e monopólio, passando por questões de ética, estratégias e políticas de desenvolvimento, que precisam considerar sobretudo a necessidade de proteção ambiental e de conservação da própria biodiversidade.

O acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional no País está hoje regulado por uma medida provisória (MP 2.186), editada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso sob a justificativa de que a falta de procedimentos legais vinha criando óbices para a pesquisa científica no País. No plano internacional, a regulamentação está sendo feita no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), além de fóruns como a FAO, a OMC e a OMPI. A MP assegura o direito dos detentores de conhecimento tradicional terem indicada a origem do seu conhecimento em qualquer uso que se faça do mesmo, facultando aos índios o direito de negar tal uso. Fala da necessidade de repartição dos benefícios decorrentes do uso, listando possibilidades como royalties e divisão de lucros, remetendo por m a questão da autorização para o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, do ministério do meio Ambiente.

Comunidades Remanescentes de Quilombos

A Constituição assegurou o reconhecimento das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, fixando para o Estado a obrigação de emitir-lhes os títulos de propriedade respectivos. A lei brasileira define quilombos como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

A legislação estabelece também o conceito de terras ocupadas por quilombos, identificando-as como as “utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural”. Tanto como já se faz na definição de função socioambiental da propriedade e na conceituação de terras indígenas, a lei procurou abranger diferentes aspectos para dar conta da complexidade do direito a ser protegido. Trata-se da garantia dos direitos fundamentais às comunidades quilombolas, cuja importância social e cultural é reconhecida e se pretende promover, o que se inicia com o reconhecimento de direitos coletivos territoriais condicionantes da manutenção e continuidade cultural.

Agregando à proteção oferecida aos quilombolas, a Constituição estabeleceu ainda o tombamento de todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Função Socioambiental da PropriedadeFunção Socioambiental da Propriedade

A Constituição estabelece os seguintes requisitos para que uma propriedade cumpra a sua função socioambiental: 1) aproveitamento racional do solo; 2) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; 3) observação das disposições que regulam as relações de trabalho; e 4) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Pode-se ver que estes elementos misturam temas clássicos da área social, como a relação entre empregados e empregadores, com temas atuais referentes à área ambiental, elevando o que se costumava entender por “função social da terra” ao patamar de função socioambiental. Assim é que propriedades que não cumprem a legislação ambiental, desmatando por exemplo matas ciliares, passaram a ser alvo da pauta de reivindicações do MST por desapropriação, ao lado daquelas propriedades em que se constata a existência de trabalho escravo ou das que não atendem aos índices de produtividade fixados pelo Incra. Diga-se de passagem, mesmo o conceito de produtividade, por muitos visto como um totem sagrado, está hoje vinculado ao respeito ao meio ambiente e à busca do desenvolvimento sustentável por força constitucional. Isto é, uma terra explorada até a exaustão dos seus recursos naturais não deverá ser considerada produtiva espaço urbano

A integração entre a questão urbana e a ambiental é evidente, basta ver a importância dos temas da proteção da água e do ar para os moradores das grandes cidades, aliados à garantia do direito de moradia. Neste sentido, a Constituição orienta e indica que as políticas urbanas tenham por base normas de cunho socioambiental, determinando que tenham por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Com isso, o tratamento dos conflitos diários decorrentes da necessidade de preservação do meio ambiente e de se garantir um lugar para morar em nossas cidades passou a ter possibilidades concretas de solução, expressas na obrigação de elaboração do plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. É a ordenação da cidade, contida em normas expressas no plano diretor, que define o cumprimento da função socioambiental da propriedade urbana e que permite vislumbrar a solução das intrincadas equações da qual depende o bem-estar de cada um e a melhoria da qualidade de vida de todos.

Regime Especial de Proteção

As discussões sobre a proteção aos conhecimentos tradicionais parecem estar se conduzindo para um consenso que prevê a criação de um regime especial e diferenciado, por muitos referido como um sistema sui generis. O fato é que, tradicionalmente, conhecimento é protegido pelo direito de propriedade intelectual, regulado por um sistema de patentes desenhado especialmente para os chamados conhecimentos novos, individualmente produzidos. Os conhecimentos tradicionais, que em sua grande parte são produzidos de forma coletiva e informal, transmitindo-se oralmente de geração para geração, dificilmente se enquadrariam nos padrões rígidos da propriedade intelectual. Seriam, quase sempre, tidos como de domínio público e, por isso mesmo, não patenteáveis.

um sistema efetivo de proteção dos conhecimentos tradicionais deveria contemplar idealmente alguns elementos fundamentais, que passam pela sua valoração como conhecimento científico e pelo direito de negar o seu uso, garantindo a impossibilidade do seu patenteamento, além da imprescritibilidade e impenhorabilidade dos direitos dos seus detentores. há duas premissas sobre as quais se debruça toda a proteção: Consentimento prévio e informado – todo o uso que se pretenda fazer do conhecimento tradicional deve ser precedido de um processo de discussão com a comunidade que detenha o conhecimento em questão, de modo que esta seja informada do que se pretende fazer, dos produtos decorrentes desse uso e das vantagens a serem auferidas, garantindo-se-lhe tempo suficiente para elaborar tais informações e ser capaz de decidir e autorizar, ou não, o uso de seu conhecimento para o m almejado.

Repartição justa de benefícios – o uso que se pretende dar ao conhecimento deve levar em conta a contribuição efetiva do conhecimento tradicional para o desenvolvimento do produto, reconhecendo-o como um instrumento valioso de produção do saber e partilhando com o detentor do conhecimento tradicional a sua eventual remuneração de forma justa e equitativa.

Os Índios Panará e o Judiciário

Em 2003, os índios Panará, que vivem na região do Rio Peixoto de Azevedo, na divisa entre Mato Grosso e Pará, receberam uma indenização do governo brasileiro pelos danos morais e materiais sofridos em razão de políticas indigenistas indevidas e omissão histórica. Os Panará, contatados nos anos 1970 por ocasião de construção da Rodovia Cuiabá-Santarém, foram quase dizimados em apenas dois anos por conta de doenças contraídas no contato descontrolado com o homem branco, tendo os sobreviventes sido indevidamente removidos de seu território tradicional e largados à própria sorte em meio a inimigos tradicionais e um habitat totalmente distinto no Parque do Xingu. Vinte anos depois, os Panará ainda sonhavam em voltar para casa e em retomar uma vida digna.

Com a Constituição de 1988, promoveram uma ação judicial contra o governo federal visando, em primeiro lugar, ter reconhecido o seu direito às terras tradicionais. uma parte de seu antigo território tradicional ainda se mantinha intacta, ao norte da região de assentamentos e garimpo que tomou conta das terras que no passado haviam sido suas. O governo federal acabou por reconhecer-lhes o direito, permitindo que a Terra Indígena Panará fosse demarcada e que a comunidade retornasse ao território tradicional a partir de 1996.

Algum tempo depois, o Judiciário iria garantir aos Panará uma decisão sem precedentes, em que se reconhecia a omissão e a responsabilidade do Estado pelas mortes e por todo o sofrimento imposto ao povo a partir do contato, condenando-o a compensá-los pelos danos. A indenização foi afinal paga em 2003 e com ela os Panará constituíram um fundo com o qual pretendem garantir as condições mínimas para levar adiante os seus planos de futuro. Os Panará são hoje mais de 300 índios e a população continua a crescer. A floresta em seu território está muitíssimo preservada e suas terras são ricas em fauna. A comunidade tem desenvolvido uma série de trabalhos visando a sustentabilidade de seus recursos naturais, que vão desde o monitoramento de suas fronteiras para a prevenção de invasões, até por exemplo o aprendizado da exploração de mel orgânico e atividades assemelhadas, que lhes garantem uma alternativa para a geração de renda.

Legislação Socioambiental

A Constituição de 1988 foi o grande marco jurídico socioambiental brasileiro, ao garantir a toda sociedade o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ela representa, pelo menos formalmente, uma legislação muito avançada no reconhecimento de direitos coletivos sobre os bens ambientais. Este capítulo do Almanaque conta a história dessa grande conquista, mas também as dificuldades para sua aplicação causadas pela pouca consciência socioambiental da sociedade e pela ineficiência do Estado em fiscalizar, evitar e punir atividades que desrespeitem esses direitos, embora exis- tam leis de responsabilidade por danos ambientais. Os textos a seguir mostram também que a temática socioambiental não

pode ser tratada isoladamente dentro de cada país: a responsabilidade pela saúde do Planeta é de todos que nele habitam. Assim, os países estabelecem entre si, no plano internacional, acordos e convenções que geram compromissos e obrigações em temas como a biodiversidade, os direitos dos povos indígenas, o enfrentamento do aquecimento global, o combate ao tráfico de espécies de animais e plantas. 
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