Noções de Cidades Sustentáveis

Noções de Cidades Sustentáveis

Noções de Cidades SustentáveisPensar a sustentabilidade como processo e como progressiva, exige a presença ou a aplicação de critérios de sustentabilidade, ou seja, reconhecer que uma série de valores, atitudes, institucionalidades, instrumentos e ações são sustentáveis e outros não. Assim, aos poucos, vai se constituindo um dicionário da sustentabilidade, onde uma série de palavras e conceitos expressam um novo modo de pensar ou formular as propostas econômicas, culturais, políticas, sociais e ambientais. A intensidade e a amplitude da presença desse dicionário no corpo teórico e prático que informa as ações dos distintos grupos sociais são um indicador tanto da mudança de cultura quanto do grau de capilaridade que a sustentabilidade já alcançou.
Em um outro nível, a sustentabilidade pode ser enunciada como uma qualidade que se passa a identificar e exigir dos distintos processos sociais, desde aqueles que se dão na esfera privada – reduzir o consumo individual e reciclar produtos no espaço doméstico, por exemplo – até os que se desenvolvem na esfera pública, no terreno da implantação e gestão de políticas públicas. Esta capacidade de a tudo referir-se, imprimindo a todos os processos uma qualidade que os torna diferentes do que eram antes, faz com que a sustentabilidade possa ser afirmada como um paradigma. É esta característica paradigmática da sustentabilidade que dá suporte à formulação da possibilidade de uma sustentabilidade urbana e que permite considerar possível e desejável que o desenvolvimento urbano possa ocorrer em bases sustentáveis.
A discussão sobre Cidades Sustentáveis só tomou vulto nos últimos dez anos, graças aos impulsos dados pela Rio-92 e pela Conferência Habitat II. A necessidade de ambientalizar as políticas urbanas, ou construir cidades com estratégias ecológicas, tem sido postulada em dois nichos distintos que se fertilizam mutuamente.
Um primeiro nicho foi constituído pelos próprios ambientalistas e a crítica radical às cidades biocidas ou doentes (Girardet: 1989). A partir da análise da capacidade de suporte (carrying capacity) e do metabolismo que apresentam, realizando, assim, um exercício de balanço energético entre o que elas produzem e o que consomem, esse biólogo demonstra que megalópoles como a cidade do México, São Paulo, Calcutá e Nova Iorque são usinas de consumo de energia e de produção intensiva de resíduos de toda ordem, buscando cada vez mais longe os insumos de que necessitam e estendendo em escala global suas pegadas ecológicas (ecological footprint). Ele contrasta as noções de cidades biocidas e ecológicas, comparando formas de organização onde, na primeira, biocida, os ciclos não são sequer pensados ou planejados, e na segunda, ecológica, existe uma consciência ambiental dos gestores e cidadãos.
Para as cidades biocidas, em sua maioria verdadeiras máquinas de destruição da natureza e produtoras do stress humano, propõe, então, o modelo do metabolismo circular como substituto do metabolismo linear, onde todos os fluxos são planejados e tecnologicamente sustentados para se buscar fora somente o necessário, reduzindo drasticamente todo tipo de externalidade negativa. Na alternativa sugerida por Girardet, a sustentabilidade urbana vai estar diretamente relacionada à capacidade de cada cidade, pensada como um ecossistema construído, prover-se com um mínimo de importação dos recursos de que necessita, compensando as cidades vizinhas, ou países, das possíveis externalidades negativas.
A despeito das postulações utópicas, tais como a proposta de drástica redução na importação de insumos – o que é pouco provável em uma economia cada vez mais globalizada, esta discussão tem repercutido positivamente e já se traduz em cursos de capacitação e manuais de gestão urbana, tais como os patrocinados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ou pelo Conselho Internacional de Cidades para as Iniciativas Locais (ICLEI), que têm conduzido uma série de experiências destinadas a desenvolver projetos e metodologias para promover “cidades saudáveis”. Segundo o próprio ICLEI, mais de 1.800 cidades do mundo estão desenvolvendo experiências de Agenda 21 Local, nas quais várias das idéias desenvolvidas por Girardet e outros pensadores estão sendo aplicadas.
Outro veio importante deste debate tem ocorrido no seio das discussões e intervenções em torno da Agenda Habitat. Analisando o processo das duas conferências Habitat I (1976) e Habitat II (1996), verifica-se com facilidade que as cidades, especialmente as megacidades, eram vistas na primeira conferência como uma desgraça a ser evitada a qualquer preço e que todas as políticas ali recomendadas redundavam na máxima: fixar a população no campo para evitar o êxodo rural e, por conseguinte, o inchaço das cidades. Janice Perlman, pioneira da corrente que vem estudando as similitudes entre as megacidades e a possibilidade de cooperação entre elas, através das boas práticas, chamou a atenção para o fato de que, ainda hoje, 90% da chamada ajuda internacional para o desenvolvimento se destinam às áreas rurais, embora a maioria da população mundial viva em cidades.
Resumindo, após as conferência Rio-92 e Habitat II, houve uma mudança expressiva de inflexão na abordagem da problemática urbana e sua relação com o mundo rural. As principais razões para esta mudança podem ser tributadas a dois fatores: a) o fracasso das políticas de fixação da população rural em todo o mundo, independentemente do contexto político ou econômico; b) a efetividade do fato de que a cidade parece ser a forma que os seres humanos encontraram para viver em sociedade e prover suas necessidades (Alberti: 1994).
As estatísticas falam por si: com mais de 60% do PIB dos países desenvolvidos sendo produzidos em áreas urbanas; em 1990 havia 2,4 bilhões de habitantes urbanos em todo o planeta e, em apenas oito anos, este número saltou para 3,2 bilhões, nada indicando tratar-se de uma tendência em declínio.
Pesquisas patrocinadas pelas agências internacionais de desenvolvimento demonstram que as políticas de apoio aos assentamentos rurais têm implicado que, uma vez realizada uma poupança, os habitantes migram para as cidades onde encontram, efetivamente, melhores chances de educação, saúde e emprego. Assim, nestes anos que separam as duas conferências tem se fortalecido a idéia de que é possível dotar de maior racionalidade os processos sociais que produzem e modificam as cidades, bem como a certeza de que as sociedades sustentáveis dependem, para existir, de como vão evoluir as soluções urbanísticas.
Enquanto aumenta a legitimidade do paradigma da sustentabilidade e sua pertinência para lidar com a especificidade do urbano, cresce a necessidade de selecionar critérios, estratégias e indicadores para ancorar a formulação, monitorar a implementação e avaliar os resultados das políticas urbanas em bases sustentáveis. Assim, a discussão sobre quais estratégias devem ser consideradas prioritárias não pode deixar de remeter-se aos objetivos macro do desenvolvimento sustentável em qualquer das escalas consideradas (global, nacional ou local), que assim podem ser discriminados:
a) busca de equilíbrio dinâmico entre uma determinada população e a sua base ecológico-territorial, diminuindo significativamente a pressão sobre os recursos disponíveis e as desigualdades espaciais;
b) ampliação da responsabilidade ecológica, aumentando a capacidade dos atores sociais de identificar as relações de interdependência entre os fenômenos e aceitar o princípio da co-responsabilidade de países, grupos e comunidades na gestão dos recursos e dos ecossistemas compartilhados como o ar, oceanos, florestas e bacias hidrográficas;
c) busca da eficiência energética, implicando redução significativa nos níveis de consumo atual, sobretudo dos combustíveis fósseis, e de fontes energéticas renováveis;
d) desenvolvimento e utilização de tecnologias brandas ou ecocompatíveis, alterando progressiva e significativamente os padrões atuais do setor produtivo;
e) alteração nos padrões de consumo e diminuição significativa na produção de resíduos e uso de bens ou materiais não-recicláveis;
f) recuperação de áreas degradadas e reposição do estoque dos recursos estratégicos (solo, água, cobertura vegetal);
g) manutenção da biodiversidade existente.

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